quinta-feira, 26 de março de 2009

UMA ESCOLA PARA ALÉM DO CAPITAL: Por um currículo que rompa com a ordem estabelecida*


Por Valter Machado da Fonseca

Foto ao lado: Bernard Charlot

1 – INTRODUÇÃO

Quando se fala em currículo, se lembra de construção, de definição de conteúdos, de estabelecimento de padrões, de regras, de escala de prioridades, tudo dentro de certas normas preestabelecidas e seguindo determinada lógica para a organização, produção, reprodução e distribuição de conhecimentos. Quando se refere ao currículo lembra-se, sobretudo, de obediência a uma série de critérios preestabelecidos e pré-organizados segundo a orientação quase que imutável de “especialistas”, cujas funções são organizar, definir, redefinir e priorizar conteúdos, segundo métodos supostamente neutros e isentos de intenções, como se eles (os especialistas) fossem isentos da capacidade de errar e, ao mesmo tempo, fossem donos de uma verdade quase que absoluta, dogmática, indestrutível.
Na verdade, a simples lembrança do termo currículo leva a essas prerrogativas, devido às práticas sociais, políticas e históricas que, ao longo de centenas de anos, vêm atuando sobre o processo educativo. E o currículo é a ferramenta de controle, responsável por regular este processo. É a forma mais eficiente para controlar e organizar o fluxo de conhecimentos que pode chegar aos diversos setores da sociedade é, sobretudo, aquilo que os “especialistas” determinam que seja “significativo” para os educandos. Em última instância, é a síntese do discurso dos controladores do processo de produção do conhecimento científico “válido” para as diferentes camadas da sociedade. É a ordem do discurso estabelecido pelos dominantes para manter o domínio sobre o processo educacional.
Esse artigo pretende enfocar esses aspectos, num primeiro momento, e num segundo momento pretende ousar construir algumas provocações e alguns desafios dirigidos ao conjunto dos educadores, no sentido da transgressão da ordem do discurso hegemônico, estabelecido para manter o status quo do processo educacional, que permeia os tempos modernos. Para tanto, este artigo também argüirá sobre a função e os limites da profissão docente, além da necessidade de uma formação diferenciada dos educadores, para a construção de uma visão crítica dos mesmos, objetivando a transgressão dos limites impostos pelo atual modelo curricular.

2 – Contextualizando o processo educacional dos tempos modernos

Para se ter a exata compreensão da educação na modernidade, é preciso situá-la na conjuntura atual, destacando os elementos que caracterizam as crises civilizacional, da educação, das técnicas e da ciência.
Vive-se um período marcado pela crise intensa da técnica e da ciência, pelas opacidades, pela coisificação do homem e da natureza. Vive-se num tempo onde os projetos de homem e de natureza, se perdem no “buraco negro” resultante da crise capitalista dos tempos modernos. Vive-se um período onde coexistem dois mundos: o primeiro, trata-se de um submundo virtual dirigido por tecnocratas insanos, os quais são responsáveis por ditar os destinos e os rumos da humanidade. Pairam sobre ela como juízes supremos, intocáveis, que a todos podem julgar e por ninguém podem ser julgados. O segundo, trata-se de um submundo real e, ao mesmo tempo virtual, habitado pela grande maioria da população global, imersa no gigantesco lamaçal da corrupção, da miséria, desemprego, fome, violência, etc. Trata-se de uma sociedade chamada de “altamente informatizada”, mas que, no fim das contas desinforma, que no fim das contas atomiza as pessoas como partículas insignificantes dentro do colossal universo da degradação ambiental e da degradação econômica, política e cultural do ser humano. Trata-se de uma sociedade que coloca o homem na luta contra sua própria espécie e, em última instância o coloca na luta pela derrocada de todo o sistema planetário, para, enfim, glorificar e fazer triunfar a mais valia como mola mestra do modo de produção capitalista. Boaventura de Sousa Santos (2001) realça com muita propriedade esta situação:

Como é que a ciência moderna, em vez de erradicar os riscos, as opacidades, as violências e as ignorâncias, que dantes eram associados à pré-modernidade, está de facto a recriá-los numa forma hipermoderna? O risco é actualmente o da destruição maciça através da guerra ou do desastre ecológico; a opacidade é actualmente a opacidade dos nexos de causalidade entre as ações e as suas conseqüências; a violência continua a ser a velha violência da guerra, da fome, da injustiça, agora associada à nova violência da hubris industrial relativamente aos sistemas ecológicos e à violência simbólica que as redes mundiais da comunicação de massa exercem sobre as suas audiências cativas. Por último, a ignorância é actualmente a ignorância de uma necessidade (o utopismo automático da tecnologia) que se manifesta com o culminar do livre exercício da vontade (a oportunidade de criar escolhas potencialmente infinitas). (SANTOS, 2001, p.58).

É dentro deste contexto que se situa a sociedade da modernidade. É neste contexto, onde o homem coisificado e atomizado luta, desesperadamente, em busca de um novo paradigma, o qual resgate a sua dignidade e dê a ele nova significação e uma razão real para sua existência. É, ainda, neste contexto que se degladeiam a forças oriundas do racionalismo/positivismo e as forças oriundas da gestação de um novo paradigma que resignifique a existência humana.

2.1 - A ciência no contexto da crise da modernidade

A crise do modo de produção da sociedade dos tempos modernos reflete a crise da produção do conhecimento científico. Em nome da neutralidade dos métodos e procedimentos apropriados pelas ciências, se propaga um discurso que visa justificar as contradições, ambigüidades, dicotomias e discrepâncias que mantém a ideologia hegemônica do atual modelo de produção dos tempos modernos.
István Mészáros (2004) tece uma importante consideração a este respeito:

Em parte alguma o mito da neutralidade ideológica – a autoproclamada wertfreiheit, ou neutralidade axiológica, da chamada “ciência social rigorosa” – é mais forte do que no campo da metodologia. Na verdade, encontramos com freqüência a afirmação de que a adoção deste ou daquele quadro metodológico nos isentaria automaticamente de qualquer controvérsia sobre os valores, visto que eles são sistematicamente excluídos (ou adequadamente “postos entre parênteses” ) pelo próprio método cientificamente adequado, poupando-nos assim de complicações desnecessárias e garantindo a objetividade desejada e o resultado incontestável. [...] na verdade, esta abordagem da metodologia tem um forte viés ideológico e conservador. [...] acredita-se que a mera insistência no caráter puramente metodológico dos critérios estabelecidos legitima a afirmação de que a abordagem em questão é neutra porque todos podem adotá-la como o quadro comum de referência do “discurso nacional”. Mas, muito curiosamente, os princípios metodológicos propostos são definidos de tal forma que áreas de grande importância social são excluídas a priori deste discurso nacional por serem “metafísicas”, “ideológicas”, etc. (MÉSZÁROS,2004, p.301) (Grifos do autor)

É preciso identificar o conhecimento como algo criado, produzido e reproduzido durante milhares de anos e, como fruto da produção humana é passível de erros, equívocos e acertos. Como fruto da produção humana não são eternos, acabados, definitivos e, portanto, não podem se constituir em verdades absolutas. O conhecimento é, pois, algo construído segundo as experiências e anseios humanos e, desta forma encharcado de intenções, algumas delas as piores possíveis.
PETER BURKE (2003) afirma que “a maioria dos estudos sobre o conhecimento se ocupa do conhecimento das elites, ao passo que os estudos de cultura popular têm relativamente pouco a dizer sobre seu elemento cognitivo, o conhecimento popular ou cotidiano”. De fato, o conhecimento considerado válido é aquele que serve para legitimar a lógica do chamado “progresso”, arduamente defendido pelas elites, em cada período da história da humanidade. Desta forma, o conhecimento produzido pela maioria das populações é considerado inválido, inútil, descartável, contrário às idéias de progresso consagrada através dos tempos pelas elites.
Esta “lógica” que permeia a produção do conhecimento é a mesma que sustenta os discursos educacionais. Mészáros (2005) enfatiza o papel da educação na sociedade capitalista:

A educação institucionalizada, especialmente nos últimos 150 anos, serviu – ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes, como se não pudesse haver nenhuma alternativa à gestão da sociedade, seja na forma “internalizada” (isto é, pelos indivíduos devidamente “educados” e aceitos) ou através de uma dominação estrutural e uma subordinação hierárquica e implacavelmente impostas. (MÉSZÁROS, 2005, p.35) (Grifo do autor)

A citação de Mészáros demonstra a lógica do arcabouço teórico-discursivo que legitima o modelo econômico capitalista em todos os tempos. É essa “lógica” que determina o progresso da ciência e o desenvolvimento das forças produtivas no modelo de desenvolvimento dos tempos modernos.
E, nesta direção grande parcela da comunidade científica perpetua o discuso positivista, falando em nome da racionalidade do racionalismo. A defesa da pretensa neutralidade científica acaba por solidificar, cada dia mais, os alicerces da “lógica” positivista, perpetuando, assim, a exploração do homem pelo próprio homem. Para parcela significativa de cientistas, tudo que foge à explicação “lógica” das ciências naturais e de seus métodos e critérios, não serve para nada, pois, passa por fora do “discurso”
[1] da ciência, tudo precisa ser explicado segundo enunciados, leis e teorias lógicas, portanto, a subjetividade humana e suas necessidades não possuem validade científica. Boaventura de Sousa Santos (2001) formula desta maneira esta preocupação:

O argumento fundamental é que a ação humana é radicalmente subjetiva. O comportamento humano, ao contrário dos fenômenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base nas suas características exteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo ato externo pode corresponder a sentidos de ação muito diferentes. A ciência social será sempre uma ciência subjetiva e não objetiva como as ciências naturais; tem de compreender os fenômenos sociais a partir das atitudes mentais e do sentido que os agentes conferem às suas ações, para o que é necessário utilizar métodos de investigação e mesmo critérios epistemológicos diferentes das ciências naturais, métodos qualitativos em vez de quantitativos, com vista à obtenção de um conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objetivo, explicativo e nomotético. Esta concepção de ciência social reconhece-se numa postura antipositivista. (SANTOS, 2001, p.67)

Então, a ciência nos dias atuais se confronta com dois modelos diferenciados: há os que defendem a neutralidade da produção do conhecimento científico, e que no fim das contas fazem o discurso da manutenção do status quo, ou seja da continuidade do modelo positivista e, há os que se rebelam contra esta ordem estabelecida, procurando formular novas questões e responder antigas indagações, tendo como objetivo a construção de um novo paradigma, por meio da ruptura com a irracionalidade do racionalismo.

3 - O discurso hegemônico nas entrelinhas do currículo

Pode-se afirmar, com toda a certeza, que o currículo é a materialidade da formalização do ensino. E, diante dessa constatação, ele exprime, com grande eficiência, o discurso que delimita as fronteiras entre a produção do saber/conhecimento e a distribuição/redistribuição/apropriação deste conhecimento.
Aqui não se trata de adotar uma visão reprodutivista da educação, mas, sobretudo, de reforçar o papel institucionalizante do discurso curricular. Sendo assim, o currículo assume o papel preponderante de seguir a dinâmica do modelo educacional fundado sobre a égide da escola tradicional, dentro da concepção e dos moldes do pensamento cartesiano. Dessa forma, ele justifica o modo como se organizam os conteúdos, em gavetas e/ou em compartimentos estanques. Ele justifica os critérios estabelecidos para a priorização de certos conteúdos, que, ao invés de expressarem a significação da realidade cotidiana dos educandos, ele os condiciona de acordo com as prioridades e as necessidades da reprodução e expansão do capital. Pode-se afirmar, portanto, que o currículo é organizado de maneira eficaz, que permita dirigir a educação para atender a economia de mercado.
É importante salientar ainda que, o currículo é fruto das experiências práticas do processo educacional, ao longo da história das sociedades e, como tal ele exprime os aspectos políticos, econômicos e sociais que marcaram e marcam o desenvolvimento dessas sociedades. Então, ele possui, em maior ou menor grau, elementos que exprimem os avanços e recuos das lutas entre as classes sociais que marcaram a evolução e o desenvolvimento das sociedades. Diante desses elementos, ele reflete as desigualdades políticas, econômicas e sociais inerentes da sociedade de classes.
Diante dessas considerações, pode-se salientar que o currículo, na sociedade capitalista da modernidade, reflete não somente a crise e contradições deste modelo econômico, mas, sobretudo, as crises da educação, das ciências e das técnicas. Assim, os “especialistas” responsáveis pela elaboração das propostas curriculares, em sua grande maioria, direcionam esta elaboração seguindo a lógica do discurso da hegemonia capitalista, mesmo com os recentes discursos de “escola cidadã”, “participação paritária”, “escola para todos”, dentre outros. A ordem do discurso estabelecida para a produção do saber/conhecimento é a mesma para a elaboração da grande maioria das propostas curriculares.

4 - A relação do currículo com as práticas de ensino

O conhecimento, como fruto das atividades humanas, é construído segundo a atividade intelectual, como atividade decorrente do pensamento e consequentemente da subjetividade humana. E, como algo derivado da subjetividade está sujeito a transformações, portanto não se trata de algo definitivo, acabado, sendo, às vezes, imprevisível.
Dessa forma, as práticas de ensino não são controladas pelo conhecimento, o qual varia em quantidade e qualidade de pessoa para pessoa, conforme enfatiza Sacristán (1998):

O conhecimento não controla rigorosamente a prática porque não existe um saber específico e inequívoco que assegure esse controle. Os paradigmas aproveitáveis e as contribuições concretas das quais se abre mão, em muitos casos, contraditórios entre si. A imprecisão do objeto, de seus fins, as formas variadas de chegar a resultados parecidos fazem do ensino uma atividade de resultados imprecisos e nem sempre previsíveis. Realidade que se choca com a racionalidade técnica que pretensamente quer desenhar as práticas pedagógicas apoiadas num conhecimento instrumental firme e seguro. (SACRISTÁN, 1998, p.173)

Dessa maneira, o conhecimento não se edifica sob o domínio da razão instrumental que move o desenvolvimento tecnológico, embasado nos métodos da racionalidade técnica e, portanto, não é um saber específico sob o domínio puro e simples da precisão metodológica das ciências naturais.
Então, a prática de ensino difere, de educador para educador, conforme seu domínio sobre determinada área do conhecimento. Isso faz com que o currículo, embora seja um instrumento de controle institucional, não seja interpretado da mesma forma pelos diversos educadores, sendo, muitas vezes remodelado pela prática de ensino. Assim, os educadores conseguem, mesmo que inconscientemente, burlar o currículo, modificando-o por intermédio de sua prática em sala de aula. Em grande parte das vezes esta modificação se realiza de forma inconsciente. É preciso uma ação permanente dos educadores comprometidos com a construção de um novo modelo educacional, no sentido de transformar estas práticas em ações conscientes e politizadas. Nesse sentido, Sacristán (1998) continua:

Se o currículo expressa o plano de socialização através das práticas escolares imposto de fora, essa capacidade de modelação que os professores têm é um contrapeso possível se é exercida adequadamente e se é estimulada como mecanismo contra-hegemônico. Qualquer estratégia de inovação ou de melhora da qualidade da prática do ensino deverá considerar esse poder modelador e transformador dos professores, que eles de fato exercem num sentido ou noutro, para enriquecer ou para empobrecer as propostas originais. A mediação não é realizada intervindo apenas diretamente sobre o currículo, mas também através das pautas de controle dos alunos nas aulas, por que, com isso, mediatizam o tipo de relação que os alunos podem ter com os conteúdos curriculares. (SACRISTÁN, 1998, p.165)

Nota-se que mesmo sendo um instrumento de controle, o currículo deixa brechas e lacunas, que podem ser preenchidas pela prática social dos educadores e pelos saberes, por eles construídos, fora do espaço institucional escolar. E são estas, exatamente, as lacunas nas quais devem ser cravadas as cunhas, enquanto ferramentas de remodelagem curricular.
Também a criatividade dos educandos deve ser explorada como importante suporte da modelagem do currículo, desta maneira, educadores e educandos estarão numa relação dialógica na construção de um outro modelo educacional, que rompa as amarras que os mantém atados à escola tradicional, representante do modelo positivista liberal-conservador. Paulo Freire dá ênfase à criatividade dos educandos:


A subjetividade funciona dentro das escolas. As escolas podem reprimir, e de fato o fazem, o desenvolvimento da subjetividade, como no caso da criatividade, por exemplo. Uma pedagogia crítica não deve reprimir a criatividade dos alunos (a repressão à criatividade vem sendo uma verdade no correr de toda a história da educação). A criatividade precisa ser estimulada, não só no nível individual do aluno, mas também no nível de sua individualidade num contexto social. (FREIRE, 1990, p.38-39)

Assim, a prática docente, em sala de aula, assume importante papel rumo à intervenção dos educadores, mesmo que de forma indireta, na organização dos conteúdos curriculares. Mas, somente a prática de ensino não é suficiente, no sentido de quebrar a ordem do discurso hegemônico que permeia o modelo educacional dos tempos modernos. Ela se faz necessária, mas não é suficiente.

4.1 - CONSTRUINDO A REBELDIA NO TRATAMENTO DOS CONTEÚDOS: por um currículo que rompa com a ordem do discurso hegemônico.

O cientificismo que permeia a organização curricular não expressa os anseios de educadores/educandos, que se reivindicam de uma educação comprometida com a solução dos reais problemas que assolam a sociedade, principalmente os setores populares. A educação, a escola, a cada dia mais, se afasta dos conteúdos realmente significativos para educadores e educandos. O discurso dos oprimidos é apropriado pela elite detentora do poder político e econômico, que fala em nome de uma escola igualitária, sem arestas, que desconsidera o grande abismo da desigualdade social entre os povos. Essa mesma educação é posta na mesa como uma mercadoria a serviço da reprodução e expansão do capital. O saber é institucionalizado em detrimento da apropriação do conhecimento técnico e científico por parte das grandes corporações financeiras multi e transnacionais, que sobrevivem à custa de um capital volátil e especulativo, que gira o planeta em busca do exército de mão de obra barata e superexplorada.
É necessário, urgentemente, redefinir o papel e a função social da escola, organizando os conteúdos curriculares de acordo com a realidade cotidiana dos educandos, dando a eles, o significado que fuja da lógica da mais-valia, que sobrevive da mercantilização do ensino. É preciso construir, retomar a verdadeira relação de identidade com o saber conforme define Bernard Charlot:

Toda relação com o saber, enquanto relação de um sujeito com seu mundo é relação com o mundo e com uma forma de apropriação do mundo; toda relação com o saber apresenta uma dimensão epistêmica. Mas qualquer relação com o saber comporta também uma dimensão de identidade[2]: aprender faz sentido por referência à história do sujeito, às suas expectativas, às suas referências, à sua concepção da vida, às suas relações com os outros, à imagem que tem de si e à que quer dar de si aos outros. (CHARLOT, 2000, p.72)

Ora, a relação com o saber se perde, a cada dia, uma vez que ele vem sendo, sistematicamente, transformado em mercadoria a serviço do capital, e o ser humano vem, cotidianamente, perdendo sua identidade histórica e cultural diante de uma globalização econômica aos moldes liberal-conservador.
A academia, a escola, deve se voltar para o resgate epistemológico da construção do saber, que seja realmente significativo para educadores e educandos, para um novo projeto educacional que rompa com o modelo falido da escola tradicional, que insiste em permanecer de pé, quando o modelo econômico de produção apresenta sintomas de podridão e encontra-se agonizante. A escola continua sendo um espaço privilegiado para se buscar alternativas concretas à irracionalidade do racionalismo.
Mas, para tal é preciso colocar em xeque este modelo educacional arcaico, ultrapassado, a começar pelo currículo, que reproduz a lógica da mercantilização da educação a serviço da reprodução do capital. Existem aqueles que acreditam, ainda, no projeto proposto pelo (neo?)liberalismo e/ou pela falácia da social democracia, ou seja, que é preciso reformar a escola, a educação, o currículo, dentro dos marcos do capitalismo, o que significa dizer que deve-se contentar com as migalhas que caem da mesa do farto banquete dos liberais conservadores.
Os tempos modernos vêm sendo marcados pela crise de projetos de homem e de natureza, ao lado da crise da racionalidade técnica e científica. São sintomas de um modelo falido, que não responde aos anseios da grande maioria da humanidade.
Mészáros (2004) faz referência à crise dos tempos modernos:

A verdade é que em nossas sociedades tudo está “impregnado de ideologia”, quer a percebamos, quer não. Além disso, em nossa cultura liberal-conservadora o sistema ideológico socialmente estabelecido e dominante funciona de modo a apresentar – ou desviar – suas próprias regras de seletividade, preconceito, discriminação e até distorção sistemática como “normalidade” e “imparcialidade científica”. Nas sociedades capitalistas liberal-conservadoras do Ocidente, o discurso ideológico domina a tal ponto a determinação de todos os valores que muito frequentemente não temos a mais leve suspeita de que fomos levados a aceitar, sem questionamento, um determinado conjunto de valores ao qual se poderia opor uma posição alternativa bem fundamentada, juntamente com seus comprometimentos mais ou menos implícitos. O próprio ato de penetrar na estrutura do discurso ideológico dominante inevitavelmente apresenta as seguintes determinações “racionais” preestabelecidas: a) quanto (ou quão pouco) nos é permitido questionar. b) de que ponto de vista. c) com que finalidade. (MÉSZÁROS, 2004, p.57-58)

A formulação de Mészáros, além de fazer a crítica à crise civilizacional, abre a possibilidade da reflexão sobre as lacunas da sociedade moderna. Estas brechas podem servir de canal de confrontação com o atual modelo econômico hegemônico no planeta. E é para esta confrontação que este tópico procurará apontar.
Dentro da crise civilizacional, a escola e a produção do saber/conhecimento debatem sua própria crise. É no sentido da ruptura com esta ordem estabelecida em favor da reprodução do capital, que os educadores (as) comprometidos (as) com a construção de um novo projeto educacional devem marchar. Garcia (2000) aponta nesta perspectiva:

Em sua luta pela construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária se inclui a luta pelo direito à escola, pois que para construir uma sociedade realmente democrática há que se acompanhar a luta por um projeto político-pedagógico emancipatório, que vá preparando os novos homens e mulheres para juntos construírem uma nova sociedade. Não é qualquer escola que serve a propósitos emancipatórios. Aos que estão engajados num projeto emancipatório não interessa uma escola que conte a história dos vencedores, como se os temporariamente vencidos o tivessem sido por sua própria incapacidade ou por fraqueza. A escola que lhes interessa é uma escola que conte a história do ponto de vista dos invadidos, dizimados, escravizados, explorados, pilhados, assujeitados no perverso processo de colonização, cujos descendentes continuam em sua ação emancipadora. (GARCIA, 2000, p.8-9)

É em direção a este modelo político-pedagógico emancipatório que se deve orientar a desconstrução do discurso racionalista, procurando romper com a “lógica” positivista que norteia os tempos denominados de modernidade. É neste sentido que se deve erigir um novo projeto de homem e um novo projeto de natureza.
Lutar por um currículo de enfrentamento ao modelo liberal-conservador, é uma das primeiras tarefas rumo ao processo de ruptura com o modelo positivista/cartesiano de educação. Não se trata da construção de um currículo de reformas ao que aí está, mas um currículo para além do capital, um currículo que dê à escola um outro significado, que resgate a dignidade de educadores e educandos.
Há que se propor um modelo que expresse a ousadia, a rebeldia, o descontentamento. É preciso apontar um caminho de enfrentamento ao modelo liberal-conservador, o qual seja capaz de quebrar a “lógica” irracional do racionalismo. A produção do conhecimento científico deve ser capaz de rasgar a camisa de força da suposta neutralidade científica. Ora, o ser humano possui interesses, vontades, cobiças, anseios e desejos, portanto, é um grande equívoco falar em nome da neutralidade. Aqui, o que se coloca é uma clara disputa de projetos: projeto de homem e projeto de natureza e, a escola, os educadores não devem ficar em cima do muro, ou se esconder atrás dele. É urgente se posicionar, conseguir enxergar a escola por cima de seus muros, observar, no horizonte, a paisagem nublada que descortina os tempos modernos. É preciso quebrar, urgentemente, a ordem do discurso.

5 – Para não concluir!!!

Este ensaio procurou discutir as contradições que permeiam os elementos constitutivos do currículo, enquanto materialidade da educação formal. Para tanto, ele argüiu, num primeiro momento, sobre a crise da modernidade, que se configura numa crise de projetos de homem e de natureza. Dentro desta crise global de projetos, ele procurou identificar os elementos que caracterizam a crise na própria educação, a qual reflete as mesmas contradições da crise conjuntural que marca os tempos modernos.
Este artigo procura discutir, ainda, os limites das propostas curriculares, e a função do currículo como controlador e filtro dos conteúdos voltados para a reprodução do capital. Conclui-se que a educação nos tempos modernos vem, sistematicamente, se transformando em mercadoria a serviço da mercantilização do saber, como forma de direcionar a produção do conhecimento visando atender as demandas das grandes corporações financeiras multi/transnacionais.
Por fim, este artigo aponta no sentido da construção de um projeto político-pedagógico que seja capaz de romper com este modelo que visa manter o status quo do atual modelo de produção econômico. Propõe-se a luta por um projeto curricular que seja capaz de fazer o enfrentamento ao projeto liberal-conservador, que mantém o modelo positivista/cartesiano da escola tradicional.
Ele conclui que é preciso construir um outro modelo de escola, uma escola para além do capital, que seja capaz de repensar sua função social e resgatar a dignidade de educadores (as) e educandos (as).

7 – Referências

BURKE, P. Uma história social do conhecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

CHARLOT, B. Da Relação com o Saber: elementos para uma teoria. Trad.Bruno Magne. Porto Alegre: ARTMED Sul, 2000.

FREIRE, P. Alfabetização: Leitura da Palavra, Leitura do Mundo/ Paulo Freire, Donaldo Macedo; Trad. Lólio Lourenço de oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.


GARCIA, R.L. Movimentos Sociais: escola – valores. In: Aprendendo com os Movimentos Sociais. Rio de Janeiro: DP & A, 2000.

MÉSZÁROS, I. A EDUCAÇÃO Para Além do Capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

_________. O PODER DA IDEOLOGIA. Trad. Paulo César Castanheira, São Paulo: Boitempo, 2004.

SACRISTÁN, J. G. O Currículo: Uma Reflexão Sobre a Prática. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: ARTMED, 1998.

SANTOS, B de S. A CRÍTICA DA RAZÃO INDOLENTE: Contra o desperdício da experiência. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

[1] Grifo do autor: aqui quer se destacar a ideologia contida e oculta na suposta neutralidade do método científico.
[2] Grifo do original

quarta-feira, 25 de março de 2009

A CRISE DA GEOGRAFIA NO CONTEXTO DA GRANDE CRISE DA MODERNIDADE


Por Valter Machado da Fonseca


Introdução

Vive-se um momento de crise profunda da ciência e das técnicas, fruto da grande crise paradigmática que permeia os tempos modernos. No interior da crise da modernidade, a Geografia debate sua própria crise.
O aumento da velocidade da informação, dos transportes, das telecomunicações e da rede mundial de computadores “diminui” as distâncias entre os povos. A relação espaço/tempo configura-se de acordo com a lógica da velocidade. Estes são aspectos que caracterizam os tempos modernos, que marcam a “derrubada” das fronteiras econômicas entre os diversos povos. A “sociedade global”, por meio da tecnologia de última geração descortina também a crise, sem precedentes, que marca os tempos modernos. Estes são alguns aspectos que se pretende levantar para o entendimento do lugar da escola e da Geografia no atual modelo de desenvolvimento econômico.
Trata-se de uma sociedade chamada de “altamente informatizada”, mas que, no fim das contas, desinforma, que no fim das contas atomiza as pessoas como partículas insignificantes dentro do colossal universo da degradação ambiental e da degradação econômica, política e cultural do ser humano. Trata-se de uma sociedade que coloca o homem na luta contra sua própria espécie e, em última instância o coloca na luta pela derrocada de todo o sistema planetário, para, enfim glorificar e fazer triunfar a mais valia como mola mestra do modo de produção capitalista.
É dentro deste contexto que se situa a sociedade da modernidade. É neste contexto, onde o homem coisificado e atomizado luta, desesperadamente, em busca de um novo paradigma, o qual resgate a sua dignidade e dê a ele nova significação e uma razão real para sua existência. É, ainda, neste contexto que se degladeiam a forças oriundas do racionalismo/positivismo e as forças oriundas da gestação de um novo paradigma que resignifique a existência humana.
A falsa justificativa do atual modelo de desenvolvimento cria um imenso abismo que separa a concentração da riqueza material no hemisfério norte da concentração da pobreza no hemisfério sul. Tal justificativa, em nome do progresso técnico e científico, na chamada sociedade globalizada aniquila a cultura, as etnias, os costumes e as tradições dos povos, criando, assim, um conjunto de populações totalmente desprovidas de identidade cultural.
O epicentro da chamada “sociedade Global” localiza-se exatamente sobre a necessidade urgente da expansão e reprodução do capital e, para isso não se medem esforços, nem conseqüências. Observa-se a brutalidade da expansão e reprodução do capital através da fome e da miséria absolutas que se espalham por todo o planeta. No mundo todo são milhões e milhões de desempregados e famintos, um exército de zumbis que compõem a reserva de mão de obra barata e descartável a serviço do capital.
A globalização econômica se caracteriza pela produção urbano-industrial, pela mobilização do capital especulativo, volátil, que gira o planeta em busca de mão de obra barata e de condições propícias para sua reprodução e, sobretudo, pelas inovações decorrentes da Terceira Revolução Tecnológica, tais como: o aumento da velocidade do sistema de informações, por meio dos avanços das telecomunicações, dos transportes e da rede mundial de computadores (Internet) via desenvolvimento espetacular da informática. Além disso, é fundamental ressaltar o avanço extraordinário da biotecnologia, devido ao desenvolvimento das pesquisas no campo da engenharia genética e à expansão do capital em direção ao campo, o que se dá por intermédio dos grandes conglomerados internacionais e transnacionais.
De fato, se por um lado a globalização econômica esconde-se por detrás de um discurso inovador, por outro ela aprofunda as contradições do modo de produção capitalista. Essas contradições expressam-se através do desemprego, da violência urbana, da fome, da miséria, do analfabetismo, das doenças e das condições subumanas da maioria da população do planeta. Então, a quem serve a globalização econômica? Em que ela favorece a grande maioria da população mundial? Para onde vão as riquezas produzidas pela expansão e reprodução do capital? Essas indagações só podem levar a uma única conclusão: a armadilha do discurso da inovação tecnológica e científica expressa na globalização, tenta em vão esconder a outra face da moeda, ou seja, a crise civilizacional, ocidental ou da modernidade.

1 – A QUEM SERVE A CIÊNCIA, AFINAL?
Os centros de pesquisas, a academia e a produção do conhecimento científico estão tão distantes dos problemas e da realidade do cotidiano das populações como o sol está distante da terra. Eis aí o epicentro da discussão sobre os grandes problemas que assolam a humanidade nos tempos modernos. Para que e a quem serve a ciência afinal? A escola e a academia voltam a reafirmar, com grande ênfase, sua tendência a legitimar os interesses dos detentores do poder político e econômico e, assim, reproduz o discurso homogeneizador de uma escola igualitária, sem arestas e que desconsidera o grande abismo da desigualdade social, os preconceitos e as diferenças entre os educandos. Este modelo de educação visa manter a escola como mercadoria para atender às demandas do mercado consumidor capitalista. Neste contexto, os alunos não passam de meros reprodutores do discurso dominante, o que aumenta, ainda mais, a distância entre a escola e a população. Os educadores/educandos seguem a receita positivista da coisificação do homem e da natureza diante da lógica nefasta do modelo capitalista de desenvolvimento.
Desta forma, é preciso analisar a produção do conhecimento científico pontuando os elementos que podem fazer sua aproximação com o cotidiano das populações. Esta prática requer do educador (a) uma nova forma de enxergar a ciência e uma nova postura diante dela. Isto significa dizer que os educadores (as) devem se permitir e se dignar a descer de seu palanque para dialogar com seus educandos. É preciso construir a relação dialógica educador/educando/sociedade.
Os idealizadores do pensamento neoliberal (que nada mais é que o velho liberalismo de roupa nova) caracterizam a produção do conhecimento científico, a academia, a escola como desprovidos de ideologia, neutros, uma ciência isenta de intenções. Esse discurso tem por objetivo legitimar a exploração capitalista e direcionar a produção do conhecimento para atender os desejos e anseios das elites dominantes.
Para se compreender a essência da produção do conhecimento e o desenvolvimento das ciências, é preciso, antes de tudo, analisar o discurso que permeia a construção do conhecimento, o jogo de interesses, as situações conflitivas, as contradições e as diputas embutidas nesta construção. É preciso desconstruir a falácia da isenção ideológica, com que tentam encobrir o desenvolvimento das Técnicas e das Ciências.
Para contextualizar o debate, em primeiro lugar é preciso voltar a algumas indagações, de maneira que se possa iniciar a discussão, exatamente, pelo princípio: O que é o conhecimento? Por quem ele foi produzido? Para que ele foi produzido? O que ele touxe de benefício para a humanidade? O conhecimento significa progresso ou retrocesso?
Em primeiro lugar é preciso tentar desmistificar a construção do conhecimento, é preciso desconstruir o discurso positivista, que isenta sua produção de qualquer intenção, de quaisquer interesses. Não, o conhecimento é impregnado de intenções, carregado de conflitos, de interesses, de ideologias. Sua produção e/ou reprodução reflete as tendências, interesses, ideologias presentes em cada preríodo da história das “civilizações”. Desta maneira, é preciso despir a produção do conhecimento, das técnicas e das ciências de toda a hipocrisia que permeia o discurso dominante de isenção em nome de métodos e critérios científicos.
Em segundo lugar, é preciso identificar o conhecimento como algo criado, produzido e reproduzido durante milhares de anos e, como fruto da produção humana é passível de erros, equívocos e acertos. Como fruto da produção humana não são eternos, acabados, definitivos e, portanto, não podem se constituir em verdades absolutas. O conhecimento é, pois, algo construído segundo as experiências e anseios humanos e, desta forma encharcado de intenções, algumas delas as piores possíveis.
O conhecimento considerado válido é aquele que serve para legitimar a lógica do chamado “progresso”, arduamente defendido pelas elites, em cada período da história da humanidade. Desta forma, o conhecimento produzido pela maioria das populações é considerado inválido, inútil, descartável, contrário às idéias de progresso consagrada através dos tempos pelos dominantes.
A idéia de progresso aparece aí acompanhada do discurso de isenção da ciência e das técnicas, as quais são colocadas em benefício da humanidade. Mas, a qual humanidade esse discurso se refere? Certamente, esta humanidade é representada pelos tecnocratas que ditam o seu destino, os mesmos que, através dos processos de reprodução do capitlal, alijam do processo produtivo milhões e milhões de homens e mulhres, os mesmos que aniquilam a cultura, as tradições, as expressões artísticas e os costumes dos povos. Enfim, os mesmos que levam à miséria continentes inteiros, e espalham o terror por meio da fome. Este é o “progresso” da modernidade. E é para garantir esse “progresso” que o conhecimento é produzido, é para garantir esse progresso que se prega uma ciência isenta de intenções, que seja capaz de garantir o bem estar da humanidade. Esta é a base do racionalismo que sustenta a sociedade capitalista da modernidade.
Hoje, além do discurso da neutralidade científica, a superestrutura econômica da modernidade apropria-se do discurso dos dominados, de suas reivindicações históricas para justificar a exploração inesgotável daqueles que produzem a riqueza material que mantém viva esta exploração. Esta apropriação vem na fórmula de uma educação igualitária, sem arestas, com igualdade de oportunidades, desconsiderando o grande abismo da desigualdade social, considerando supostamente iguais os diferentes.
E, nesta direção grande parcela da comunidade científica perpetua o discuso positivista, falando em nome da racionalidade do racionalismo. A defesa da pretensa neutralidade científica acaba por solidificar, cada dia mais, os alicerces da “lógica” positivista, perpetuando, assim, a exploração do homem pelo próprio homem. Para parcela significativa de cientistas, tudo que foge à explicação “lógica” das ciências naturais e de seus métodos e critérios, não serve para nada, pois, passa por fora do “discurso”
[1] da ciência, tudo precisa ser explicado segundo enunciados, leis e teorias lógicas, portanto, a subjetividade humana e suas necessidades não possuem validade científica.
Então, a ciência nos dias atuais se confronta com dois modelos diferenciados: há os que defendem a neutralidade da produção do conhecimento científico, e que no fim das contas fazem o discurso da manutenção do status quo, ou seja da continuidade do modelo positivista e, há os que se rebelam contra esta ordem estabelecida, procurando formular novas questões e responder antigas indagações, tendo como objetivo a construção de um novo paradigma, por meio da ruptura com a irracionalidade do racionalismo.
2 - A CRISE DA GEOGRAFIA NO INTERIOR DA CRISE DA MODERNIDADE
Os tempos modernos descortinam a grande crise civilizacional: a crise de projetos de homem e de natureza. E, no interior das crises civilacional, das técnicas e das ciências, também a Geografia debate sua própria crise. Trata-se de uma crise que se agudiza, de forma cada vez mais evidente. A Geografia, a todo momento, perde seu objeto de estudo, devido à sua crise interior, intestinal. Enquanto a grande crise paradigmática dos tempos modernos exige soluções para sua superação, a geografia se debate fragmentando seu próprio objeto de estudo, por intermédio de discussões infrutíferas sobre dois possíveis campos de investigação: a “Geografia Física” e a “Geografia humana”, as “duas Geografias”.
Os investigadores do pensamento geográfico são incapazes de perceber, compreender e apreender a ciência como um todo. São incapazes de associar a ação humana à paisagem, ao relevo, à vegetação, ao solo, enfim acabam por considerar o homem como sujeito passivo, sem uma perspectiva histórica e social. Acabam por negar a capacidade humana de transformação, de ação sobre o ambiente, acabam por se adptar à miopia ocular, ao perceber o homem como um ser estático, imutável, incapaz de interagir com o ambiente em que vive, uma paisagem morta. Nesta perspectiva a ciência geográfica perde o sentido, sua razão de ser.
Isto, sem considerar aquela parcela de “estudiosos” que acaba sucumbindo perante o discurso liberal-conservador e, dessa forma, passam a reproduzir tais discursos, mercantilizando o saber geográfico, colocando-o a serviço da expansão e reprodução do capital. As fragmentações do campo da geogafia sucumbem uma a uma diante da irracionalidade do desenvolvimento do atual modelo econômico que rege a sociedade moderna. As relações de trabalho no campo, o braço estendido do capital sobre o espaço agrário, acabam com a dicotomia cidade-campo, deixando desorientados os estudiosos da chamada Geografia Agrária. Do mesmo modo, a globalização econômica dizima a cultura os costumes as tradições dos povos, por meio do etnocentrismo, desnorteando também os estudiosos da denominda Geografia Cultural. Um a um os vários fragmentos desconexos do campo da Geografia tombam como peças de dominó, diante da lógica nefasta da reprodução e expansão do capital. Aí colocam-se as perguntas: Quais os objetos de estudo da Geografia? Como fica a reorientação do pensamento geográfico diante da nova relação espaço/tempo? Como a Geografia percebe a ação antrópica no ambiente? Como deve se posicionar a Geografia, diante da crise de paradigma da modernidade? Como aproximar a Geografia do cotidiano das populações? Qual a reflexão epistemológica da Geografia diante da relação sociedade-natureza nos dias de hoje?
É necessário procurar, urgentemente, as resposta a essas indagações. E, para isso, a Geografia precisa assumir nova postura diante dos graves problemas que assolam a humanidade. Ela precisa assumir nova postura diante do cotidiano da sala de aula, aproximando, concretamente, a academia dos problemas reais de educadores (as) e educandos (as). É preciso construir uma nova Geografia, não fragmentada, solidária, transformadora, militante, uma geografia que saia “de cima do muro”, que assuma uma postura de rebeldia perante a ordem econômica estabelecida.
A denominada “Geografia Crítica” deu importantes passos no sentido de superação teórica dos velhos métodos e concepções estabelecidos pela Geografia Tradicional. Porém, estes avanços ficaram quase que somente na teoria ou nos debates de congressos e acadêmicos, não obtiveram repercussão no trabalho didático em sala de aula. Por que eles não se traduziram em resultados práticos na sala de aula? Por que não se observa a construção de reflexões críticas ou de mudanças comportamentais dos educandos (as) do Ensino Fundamental e Médio? Estas perguntas precisam ser respondidas não pelos educandos (as), mas pelos pesquisadores (as) e educadores (as).

3 - A REFORMA EDUCACIONAL E O ENSINO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA
A tão propalada Reforma Educacional faz parte de um pacote de reformas que faz parte dos planos neoliberais. O eixo central desses planos consiste na denominada política do Estado Mínimo, isto é, os diversos Estados Nacionais, embasados num discurso de contenção de gastos e ou “Enxugamento da máquina do Estado”, repassam para a iniciativa privada setores que antes eram de sua responsabilidade. Assistiu-se, com mais evidência, a execução destes planos nos dois mandatos FHC e que têm continuidade agora no governo Lula da Silva.
Como exemplos destacam as privatizações no sistema financeiro estatal (privatização de vários bancos dos diversos Estados da Federação), nas empresas estatais (Vale do Rio Doce, Usiminas, Telebrás, a Petrobras, que vem sendo vendida em pequenas fatias, dentre várias outras). Este sucateamento do patrimônio do povo brasileiro atingiu, em cheio, os setores da saúde e da educação.
A ideologia neoliberal propôs e executou cortes drásticos na educação, congelando os salários dos professores, por anos a fio, além de diminuir, significativamente os recursos dedicados a ela. Assim, com um discurso em nome da qualidade do ensino, a reforma educacional vem privatizando e sucateando o ensino, entregando centros de pesquisas importantes para a iniciativa privada, principalmente para os grandes grupos transnacionais. A pesquisa científica perde, de uma vez por todas, seu papel de produzir tecnologias voltadas para o bem-estar da humanidade, em detrimento dos interesses da iniciativa privada.
O ensino de Geografia e História vem sendo atingido em cheio, com a diminuição das verbas para pesquisas, baixo salários dos professores, inexistência de equipamentos e recursos para laboratórios, falta de apoio para trabalhos de campo. Outra questão totalmente esquecida é um programa sério de formação continuada de professores, os quais, sem a devida formação, têm que trabalhar conforme as novas propostas da legislação ambiental, como os Parâmetros Curriculares Nacionais. Então, apesar dos debates acadêmicos. Os professores que militam na educação de base têm que se contentar com os velhos e arcaicos métodos tradicionais de ensino e o mesmo livro didático. A prática do ensino de Geografia tem que repensada no âmbito de toda a comunidade escolar, cavando uma trincheira no interior da escola, de resistência ao projeto neoliberal. A luta é para que a ciência avance de uma tecnocracia que domina o homem, para uma tecnologia a serviço da humanidade.

[1] Grifo do autor: aqui quer se destacar a ideologia contida e oculta na suposta neutralidade do método científico.

A DISCIPLINARIZAÇÃO DOS CORPOS E O DISCURSO CARTESIANO: DIALOGANDO COM FOCAULT E DESCARTES



Por Adriana Pessato

Foto ao lado: Michel Foucault. Fonte: USP

Introdução

No decorrer dos séculos os homens criaram diversas regras que se alteravam de tempos em tempos para sustentar um determinado estilo de vida. Mudanças radicais na forma do ser humano relacionar-se com o próprio corpo surgiram na produção industrial, a vida humana, antes no compasso das necessidades fisiológicas corporais em que os hábitos e horários eram de acordo com seu ritmo vital, foi gradativamente sendo regida por uma lógica externa ao corpo. Para Duarte Júnior (1997) a Revolução Industrial significou um processo de reeducação do corpo humano. O corpo foram gradativamente colocados à lógica da exatidão, da eficiência de movimentos, da usurpação da própria identidade para se tornar iguais na produção do modelo capitalista.
A visão cartesiana e seus múltiplos aspectos
A relação do homem com o corpo em diversos momentos históricos foi objeto de poder, desde as idades mais remotas até os dias atuais. Descarte ao buscar uma explicação científica que fosse capaz de explicar os fenômenos científicos, criou o “discurso do Método” em que adota os fundamentos matemáticos e a razão como exercício intelectual do ser humano tendo como primeiro princípio a máxima “penso, logo existo.” [...] Compreendi então que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste somente no pensar e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material. (DESCARTE, 2008, p.40).Percebe-se nesse fragmento textual, a importância dada ao ato de pensar ligada ao ser. Assim nessa máxima há uma desconsideração pela multidimensionalidade do ser humano que não é somente um ser pensante, tem todo um universo psíquico, emocional, social, político além do racional como dá a atender esse princípio de Descartes. Ele ignora o fato de que ele próprio ao formular seus princípios utiliza da emoção, da paixão para buscar as verdades reveladas. Morin (2005) nos dá subsídio para fazer um contrapondo a Descarte:

[...] no mundo humano, o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, isto é, da curiosidade, da paixão, que, por sua vez, são a mola da pesquisa filosófica ou científica. A afetividade pode asfixiar o conhecimento, mas pode também fortalecê-lo. Há estreita relação entre inteligência e afetividade: a faculdade de raciocinar pode ser diminuída, ou mesmo destruída, pelo déficit de emoção. [...] Portanto, não há um estágio superior da razão dominante afeto e, de certa maneira, a da emoção, mas um eixo intelecto-afeto e de certa maneira, a capacidade de emoções é indispensável ao estabelecimento de comportamentos racionais. (MORIN, 2005, p.20)

Morin (2005) nos auxilia na percepção das entrelinhas do discurso cartesiano que qualifica o homem como ser racional, desvalorizando as emoções, Descarte ao adotar o modelo de homem - razão propicia o raciocínio lógico capaz de universalizar qualquer indivíduo. Em Nojosa (2006) temos um complemento a nossas reflexões ao afirmar que:

Essa condição de universalizar a razão, como essência igualitária para qualquer homem, em qualquer espaço territorial, cria um universalismo que anula a idéia de diversidade cultural e, por conseguinte, de corporeidade. Suas reflexões estão centradas em um dilema de pensar o homem dentro do arquétipo teológico de isolar razão e corpo. (NOJOSA, 2006 p.68)

Outro fato importante a ser considerado é que ao adotar os fundamentos da matemática e a razão Descarte fragmenta a ciência, pois descarta todo o conhecimento produzido fora do discurso matemático, eliminando as diversas concepções de vida e de idéias filosóficas acerca do pensamento social. A ciência validada é a que se constrói de forma neutra, o que apontamos no parágrafo anterior ser uma contradição do próprio método cartesiano, entretanto esse discurso cartesiano propiciou o discurso da neutralidade científica, do discurso matemático como forma de conseguir chegar a verdades científicas. Em relação a esses discursos da verdade Focault afirma:

Em qualquer sociedade – múltiplas relações de poder perpassam , caracteriza, constituem o corpo social, elas não podem dissociar-se, nem estabelecer-se, nem funcionar sem um a produção, uma acumulação, uma circulação, um funcionamento do discurso verdadeiro. Não há exercícios do poder sem uma certa economia dos discursos de verdade que funcionam nesse poder, a partir e através dele. Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercer o poder mediante a produção da verdade. (FOCAULT, 1999 p.29)

Assim o discurso da verdade passa a ser o discurso matematizado, racional, que transformou todos os homens em iguais foi utilizado pelo capitalismo industrial a fim de extrair trabalho produtivo dos corpos. Os corpos gradativamente transformaram-se em produto de trabalho, o corpo na era industrial deixa de ser um mero e simples corpo humano para se transformar em máquina de trabalho produtivo, gerando lucro à sociedade capitalista. Entretanto para que esses corpos servissem e tivessem produtividade era necessário moldá-los a uma disciplina rígida de controle de seus atos, era necessário descorporificá-lo a fim de conseguirem o máximo rendimento em um determinado período de tempo. Para Focault (1977) o método disciplinar,era uma nova mecânica de poder que incidia sobre os corpos e sobre o que eles faziam , permitindo um controle das operações do corpo realizando a sujeição constante de suas forças e lhes impondo uma relação de docilidade-utilidade, tornando possível extrair deles tempo e trabalho. Um poder que é exercido por vigilância e fórmulas de dominação.

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. [...] A disciplina dissocia o poder do corpo... O poder disciplinar: é uma das grandes invenções da sociedade burguesa. Ele foi um dos instrumentos fundamentais da implantação do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é correlativo. (FOCAULT, 1977, P. 43).

Os corpos ao se tornaram dóceis puderam ser submetidos e utilizados, transformados e controlados por um poder de coerção alheio a ele mesmo.
A disciplinarização dos corpos nas escolas
Assim como na sociedade as escolas também sofreram e ainda sofrem consequências do cartesianismo, em nossas escolas o saber científico é enaltecido e valorizado em relação aos outros saberes. Os conteúdos e saberes validados foram fragmentados, divididos e compartimentados pela escola. Para conseguirem transmitir tais conhecimentos a escola tanto quanto a sociedade fabril passaram por um poder disciplinar dos corpos envolvidos. Poder esse que se desenvolve ante as minúcias e os detalhes para que seja eficaz. O poder disciplinar usa o que Focault denomina de princípio da localização imediata, ou seja, cada indivíduo tem seu lugar marcado, a fim de anular aglomerações, circulação difusas, é importante estabelecer as presenças e as ausências, saber exatamente onde encontrar e como encontrar os indivíduos, interromper as conversas consideradas inúteis e acima de tudo dominar e utilizar os espaços. FOCAUTL (1975) Em sala de aula percebemos com nitidez o que Focault argumenta, pois as carteiras são dispostas em fileiras, da qual os alunos tem seus lugares determinados na maioria das vezes pelos docentes com a justificativa de organizar melhor a sala para o aprendizado. Para Focault:

[...] A ordenação por fileiras, no século XVIII, começa a definir a grande forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos na sala, nos corredores, nos pátios,... Determinando lugares individuais, tornou possível o controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos organizou uma nova economia do tempo de aprendizagem .Fez funcionar o espaço escolar como uma máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensa.( FOCAULT, 1975, p. 134)

Outra questão levantada por Focault é a relação do tempo escolar, que tornou cada vez mais detalhado e cercado de todas as atividades, o tempo disciplinar teria que ser o mais produtivo possível, assim os gestos corporais foram se ajustando para conseguir o máximo de eficiência . Em uma pesquisa em andamento percebemos que os alunos que não se adequam a esse poder disciplinar adotado mesmo que inconscientemente pelos professores são excluídos , exclusão essa extremamente sutil, pois encontra-se no ambiente escolar , entretanto não são incluídos nas atividades escolares.
Considerações Finais
Passamos por grandes transformações econômicas, política, e sociais, a escola como ponto de encontro de diversas culturas, crenças e diversidades pode e deve estar atenta aos diversos discursos utilizados para mascarar a realidade da exclusão social que oprime aqueles considerados diferentes. Vivemos em tempos de transformações, tempos de incertezas do porvir. A escola do novo século que se inicia tem um grande desafio em suas mãos: como preparar os cidadãos do futuro a fim de se relacionarem, com harmonia, a relacionar com o meio em que vive sem destruí-lo, a respeitar as diferenças como princípio primeiro de solidariedade, e aceitação do outro tal que é e para tanto torna-se necessário um estudo minucioso de todas as formas de repressão que se manifesta muitas vezes de forma tênue e fugaz, mas que em contrapartida se infiltra em toda a sociedade .
Referências
DESCARTE, René DISCURSO DO MÉTODO. Tradução e organização editorial de Ciro Mioranza, Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal Editora Escala SP, 2008.


DUARTE JÚNIOR, João Francisco,. Itinerário de uma crise: a modernidade. Curitiba. Ed. da UFPR, 1997

FOCAULT, MICHAEL. Em defesa da Sociedade. Curso no Collége de France. Tradução Maria Ermantina Galvão Editora Martins Fontes, SP, 1999.

FOCAULT, MICHAEL, Vigiar e Punir. Tradução Portuguesa, Petrópolis,editora Vozes, LTDA:1975.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. Silva e Jeanne Sawaya. 2 ed. São Paulo: Corte, Brasília DF; UNESCO, 2000.

NOJOSA, Urbano. Diferença e identidade: O jogo perverso da in(ex)clusão social. In Garcia, Wilton. Corpo e Subjetividade – estudos contemporâneos Wilton Garcia, organizador – S.P: editora Factash , 2006

terça-feira, 10 de março de 2009

A NEUROCIÊNCIA: O descortinar de um novo olhar para a pedagogia


Adriana de Carvalho Pessato Pena«
E-mail: dripessato@hotmail.com

Introdução

O mundo ao longo dos tempos sofreu várias transformações em todos os campos: político, econômico ético, estéticos, e do conhecimento. As mudanças ocorridas no conhecimento, na forma de pensar, no surgimento da razão científica alteraram profundamente a vida das pessoas e sociedades.
Nos séculos passados o homem vivia de acordo com suas prerrogativas corporais, com o início do mercantilismo, o aparecimento da moeda houve uma troca do qualitativo para o quantitativo, a substituição do conhecimento sensível vinculado ao corpo pela atitude quantificadora própria do raciocínio abstrato.
Alguns fatores influenciaram de forma significativa a visão de mundo, tais como a invenção da impressa, o desenho em perspectiva, que possibilitou ao homem transformar e visualizar o espaço em que o corpo vivia e movimentava-se em uma abstração matematizada e geometrizada sobre uma superfície plana. As grandes navegações levaram a ampliação do universo humano. Antes o universo para ele estava pronto e acabado, após as navegações criou-se a noção de que o mundo estava inacabado, devendo ao homem a incumbência de construí-lo.
Esses acontecimentos marcaram e foram incentivos para a era industrial, que junto com o capitalismo, a visão positivista e cartesiana modificou, completamente, a estrutura das cidades, e as relações humanas. Há uma crescente exploração da natureza, e do homem, que se coisificaram ante a mais valia.
Nos dizeres de Duarte júnior:

[...].Com a Revolução industrial vão se operando alterações em todos os setores da vida humana, desde os hábitos e costumes diários até a configuração espacial das cidades, desde as relações parentais até o comércio internacional.A Revolução Industrial significou, basicamente um processo de reeducação do corpo humano.( Duarte Júnior, p.23 1997)

Se analisarmos um artesão, percebe-se que ele tinha os horários estabelecidos pelo seu corpo biológico. Comia, dormia, acordava de acordo com esse relógio, entretanto após a era industrial as suas ações passaram a ser fixadas e estabelecidas por uma racionalidade exterior e alheia a suas necessidades corporais. DUARTE JÙNIOR (1997, p.24) continua: “Passa, então a existir uma razão produtiva, ou uma razão instrumental, que considera o mundo não mais a partir do ser humano, e sim do ponto de vista da produção e do lucro, em escala cada vez maior”.
A crença de que a industrialização, as tecnologias possibilitariam ao homem um futuro em que não precisassem gastar energia e tempo para as tarefas mais brutas, ficando livre para outras atividades não aconteceram. A tecnologia, a fé cega na racionalidade técnica, nunca foram tão questionadas como nos dias atuais.
Os grandes avanços tecnológicos nos permitem, em frações de segundos, comunicar com todo o planeta. O espaço sideral não mais é mistério que amedronta e assusta. O código genético já está sendo desvendado, entretanto à medida que a ciência avança, mais questões de ordem éticas são colocados à prova, nunca os homens sentiram-se tão só e perdidos, como nesse início de século. Os paradigmas que o sustentavam não o sustentam, os valores antes tão certos já se tornaram incertos, vivencia-se uma crise sem precedentes.

A crise da modernidade assume primordialmente, um caráter de descrença, de insegurança quanto ao rumo a se tomar, pois este depende de um projeto, de um objetivo onde se quer chegar. Queríamos o desenvolvimento tecnológico e nele acreditávamos como elemento emancipador, mas agora já hesitamos em relação ao acerto de nossa escolha. Buscávamos a racionalidade como meio de uma vida equilibrada, porém a razão extremada que conseguimos revelou-se inumana despertou inesperados irracionalismos. (Duarte júnior, p. 36 a.1997)

Hoje o homem corre para um futuro desconhecido, a ânsia de se chegar a algum lugar, mas não se sabe onde. As cidades em que ostentavam o coreto, a praça principal, que o homem conversava ao final da tarde, que as crianças brincavam livres, se encontram em extinção.
O homem atual não tem tempo para nada, nem para si mesmo, nem para os familiares e amigos. A própria alimentação, ato essencial à vida tornou-se um ato mecânico, sem sabor e qualidade, somos cada vez mais a geração dos fast food, dos congelados, enlatados, deteriorando as qualidades alimentares com corantes e todos acidulantes que não são mais que venenos em pequenas doses.
A mídia, a televisão, computadores exercem um fator hipnótico e manipulador na vida humana, há uma crescente associação da imagem padrão, veiculado pela mídia como sendo a única beleza possível que leva as jovens cada vez mais a problemas de saúde como a anorexia. O corpo, hoje trabalhado pela mídia, tornou-se igualmente um produto industrial a ser consumido. Os consultórios psiquiátricos encontram-se cheios, por depressões, e estresses conforme enfatiza Duarte Júnior:

O homem tornou-se descartável, tão qual a sociedade consumista da atualidade. A identidade das coisas no mundo moderno dá-se primeiramente através de sua função. E mesmo a identidade das pessoas: nós somos aquilo que fazemos, em termos profissionais. O que nos torna a todos, coisas e pessoas, descartáveis e substituíveis com base exclusiva no desempenho de uma função. (Duarte Júnior, p. 49)

Nesse contexto descrito acima se encontra uma mudança profunda na sociedade atual, com isso há necessidade de um novo olhar do educador, uma nova lógica para a escola, pois as questões atuais são totalmente diferenciadas.

Conceitos que estão sendo contestados pela neurociência
O pensamento cartesiano encontrou parâmetro na concepção de que o cérebro funciona de forma isolada. O processo cognitivo (razão) de um lado e o processo emocional de outro. Acreditava-se que o cérebro exercia atividades emocionais somente no córtex pré-frontal e no sistema límbico.
Estudos recentes da neurociência vêm desmistificando essa afirmativa, hoje se sabe que o cérebro trabalha de forma conjunta com todas as suas partes. O sistema límbico recebe todas as informações cerebrais, antes mesmo do cérebro coordenar uma resposta a determinado estímulo, é responsável pelas questões emocionais do organismo. Referente a isso Damásio afirma que:

[...] os córtices pré-frontais recebem sinais de vários setores biorreguladores do cérebro humano. Incluem-se aqui os núcleos neurotransmissores situados no tronco cerebral (por exemplo, àqueles que distribuem dopamina, noropinefrina, e serotonina) e no prosencéfalo basal (aqueles que distribuem acetilcolina), Poder-se-ia dizer a esse respeito que os córtices pré-frontais recebem mensagens de todo o pessoal do serviço de padrões e medidas. As preferências inatas do organismo relacionadas com a sua sobrevivência o sistema de valores biológicos, por assim dizer – são transmitidos aos córtices pré-frontais por meio desses sinais, fazendo desse modo parte integrante do mecanismo de raciocínio e tomada de decisões. (DAMÁSIO, 2005 p-. 213)

Logo, conclui-se que as partes relacionadas à cognição e emoção trabalham conjuntas no cérebro, sendo assim não se pode dissociar razão de sentimento. Dessa forma é premente a inovação na forma de se ensinar, pois o processo da aprendizagem com os estudos da neurociência vem descortinado um novo mundo.
Para o Prof. FREDERIC MICHAEL:

O modelo educacional que prevalece entre nós já está defasado em relação àquilo que a ciência já sabe sobre como a mente humana funciona, especialmente com relação aos processos de aprendizagem, e às tecnologias já disponíveis no mercado e nem de longe aproveitadas na educação formal. (MICHAEL, 2002, p.11)
A neurociência e a pedagogia
A neurociência 1e está abrindo um leque para transformações na pedagogia, compreender como o sistema nervoso funciona acarreta vários entendimentos, interpretar quais processos químicos ocorrem como se formam as sinapses estão revelando um mundo totalmente novo. Já se sabe através de estudos que os estímulos favorecem as ramificações neurais no córtex cerebral, favorecendo, portanto o desenvolvimento cerebral. Desvendar como dá o processo de aprender abre alguns caminhos para novos pensamentos de como ensinar.
A Professora de Historia da Escrita, Elvira Souza, ao se deparar com professores da Amazônia que reclamavam da falta de memória dos estudantes para conceitos simples tal como as cores, perguntou a um índio que cor era a árvore e ele respondeu “depende”. Depende do tipo de árvore, da hora do dia. Elvira Souza afirma que:

Parece banal, mas é fundamental que o professor compreenda como o cérebro da criança funciona para ajuda-la a aprender.Caso contrário o professor vai teimar que a árvore é verde e o aluno apenas vai decorar a resposta, sem que isso faça sentido para ele.(Souza apud Leal, 2006 p.49)

O ser humano consegue aprender e assimilar o saber que tem significado para ele. Para Barth (1996) a construção do saber envolve a criatividade, a afetividade, a cultura e a contextualização. Nesse contexto, torna-se importantíssimo que o professor saiba que o cérebro humano se organiza em torno da formação de significados. Souza afirma que:

Um campo de significados é uma rede de informação e experiências relacionadas entre si que constituem sentidos para o indivíduo e possibilita a formação de outros significados. A aprendizagem de conhecimento formal ocorre se houver, no procedimento pedagógico, previsão de trazer o novo relacionado a um conhecimento prévio do indivíduo, o que facilita a construção de um novo significado. (SOUZA apud LEAL, 2006, p. 49)

O geneticista Zan Mustacchi diretor clínico do centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo (CEPEC) ao pesquisar pacientes com Síndrome de Down percebeu que as crianças conseguiam aprender melhor quando estava ligado o aprendizado a sensações agradáveis. Isso porque segundo ele:

Mecanismo de recepção e percepção localizados no hipocampo e hipotálamo (responsáveis pelo armazenamento e pela codificação de memória, respectivamente) são estimulados a reter informações com a liberação de substâncias que geram a sensações agradáveis, como a dopamina e serotonina. A presença desses neurotransmissores faz com que se busque repetir a sensação prazerosa. (MUSTACCHI apud LEAL, 2006, p 49).

O ser humano consegue aprender sempre, entretanto a fase infantil é a mais propícia ao aprendizado, pois nessa fase mais conexões de sinapses são estabelecidas, portanto as bases do saber são lançadas em grande parte na infância. O cérebro infantil é preparado para buscar novas informações, os estímulos visuais, auditivos sensoriais são importantíssimos no desenvolvimento cerebral. Para Gerhard:

Quando educação e formação dão às crianças os estímulos intelectuais de que o cérebro precisa, as capacidades mentais podem se desenvolver – e aprender se torna fácil. Em especial no jardim-de-infância, e até a 4ª série do ensino fundamental, os pedagogos com freqüência evitam educar o pensamento das crianças de forma direcionada - provavelmente porque não desejam sobrecarrega-las. Mas é precisamente entre os 3 e os 10 anos, que o cérebro está sempre à procura de novo alimento, o que de resto, o mundo lhe oferece em abundância: a cada segundo, uma profusão incomensurável de impressões abre caminho pela via dos sentidos. (GEHARD e GEHARD 2006, p.53)

A ausência de conceitos biológicos nos cursos de pedagogia dificulta os diversos entendimentos da neurociência.
A neurociência surge, então, como uma nova forma de compreender o processo ensino – aprendizagem, entretanto esbarra-se na formação do professor, em especial o pedagogo, que é o professor responsável pelas séries iniciais do ensino fundamental. A ausência de conceitos biológicos básicos em sua formação dificulta o entendimento do desenvolvimento cognitivo e acarreta algumas conseqüências equivocadas sobre o processo ensino-aprendizagem.
Nesse sentido RICTHER (2006) em sua dissertação de mestrado consta:

A compreensão aprofundada do desenvolvimento da criança e da aprendizagem, muitas vezes, é dificultada entre nós, profissionais da educação, pela própria limitação do entendimento da relação entre nossa estrutura orgânica e o meio social-cultural. Essa deficiência acarreta compressões errôneas de estudos clássicos referentes ao desenvolvimento humano, já que, não raro, ficamos presos a entendimentos superficiais, presos a chavões, expressões nem sempre realmente compreendidos (RICTHER, 2006, p 58)

Um grupo de pesquisadores em Educação da PUC-SP coordenada pela Dra.Renata Di Francesco e pela pedagoga Kátia Kuhn Chedid, analisou a influência da respiração oral sobre dificuldades com disciplina e aprendizado. A pesquisa comprovou que a maior parte de crianças com respiração oral estão entre as que participam do reforço escolar e constantemente possuem problemas de disciplina.
Para CHEDID (2006):
Crianças com problemas respiratórios dormem mal à noite e, durante o dia, freqüentemente apresentam problemas de atenção e aprendizagem. Muitas vezes, esse aluno é rotulado como incapaz ou preguiçoso, quando na verdade tem um problema que pode e deve ser tratado. (CHEDID apud Leal, 2006 p.44)
Não se cogita exigir do professor compreender e estudar a neurociência, entretanto, o entendimento da fisiologia corporal básica dos diversos sistemas biológicos, pode favorecê-lo na compreensão das várias filosofias que embasam a educação, em especial as teorias de desenvolvimento humano, ligadas à infância, fase primordial para o desenvolvimento cerebral, pois nelas estão as bases para o aprendizado. Ressalta-se, ainda, o quanto a fundamentação das questões biológicas pode auxiliar o professor a ter clareza da concepção de homem, que em geral é estudada em termos políticos, econômicos e sociais, ignorando diversas vezes que o ser humano é um ser bio-psíquico-social.
Na literatura pedagógica, a referência à concepção de homem é fundamentalmente abordada numa visão filosófica, social e/ou psicológica.Adicionamos a essas abordagens uma visão energética, com a convicção de que, se o professor possui uma compreensão da dimensão biológica do indivíduo, são possíveis mudanças significativas na forma de trabalhar com seus alunos(Mota 2005, p.87)
O curso de pedagogia é por excelência responsável pelos primeiros anos de escolaridade, onde o processo do ensinar e do aprender necessita ser bem compreendido. A ausência de conceitos biológicos fundamentais para compreender os mecanismos fisiológicos corporais em especial o mental, a importância das conexões neurais e como se realizam dificulta a percepção do processo ensino-aprendizagem. A maioria das conexões sinápticas forma-se, principalmente nos primeiros anos de vida, inclusive as ligações para a cognição, por isso, é essencial a etapa inicial da escolaridade. Devido à importância da fase inicial do aprendizado humano o curso de pedagogia é de grande relevância e precisa ser mais pesquisado.
Ausência de conceitos biológicos básicos no curso de pedagogia pressupõe que o aluno tenha conhecimento prévio do funcionamento cerebral, ficando vago e solto essas noções sem o devido embasamento teórico que somente a ciência biológica poderia oferecer.
A neurociência e a educação formal
A escola, nos dias atuais, ainda está marcada, fortemente, pelo positivismo. O mecanicismo cartesiano favorece e trabalha para os interesses capitalistas. Há uma forte disciplinarização através de normas rígidas de controle. Disciplinarização essa que é uma forma de domínio e poder sobre os alunos. O ambiente escolar é totalmente diferenciado da realidade dos alunos, onde o tempo é determinado de acordo com as exigências exteriores às prerrogativas dos discentes. De acordo com Tardif o tempo escolar é condicionado por exigências social, financeira, sindical, religiosa, e não acompanha o tempo de aprendizagem do aluno.

[...] é evidente que o tempo escolar não acompanha diretamente o tempo da aprendizagem dos alunos. Um dos maiores problemas da escola é ajustar esses dois tempos, O aprendizado requer um tempo variável segundo os indivíduos e os grupos, ao passo que o tempo escolar segue invariavelmente ritmos de aprendizagem coletivos e institucionais. (TARDIF, 2005 p 76)

Quando há um aprendizado novo, novas conexões cerebrais têm que ser efetuadas, e muitas horas se passam até que as conexões entre as células possam se estabilizar. Não se conseguiu ainda precisar o tempo que o cérebro gasta para isso, mas é certo que não adianta ficar repetindo matéria nova na cabeça dos alunos, quando o cérebro está ativamente trabalhando para estabelecer as conexões. Dessa forma entre um aprendizado e outro seria mais proveitoso deixar o cérebro executar seu trabalho tranqüilamente.

[...] partindo do princípio de que pouco proveito traz martelar matéria nova na cabeça do aluno no exato momento em que seu cérebro se empenha por consolidar o que acabou de aprender. Se assim procedermos, os conteúdos irão se sobrepor, o que perturbará sua fixação neuronal. O aprendizado a intervalos é, portanto, muito mais sensato, um fato ao qual a didática deveria dedicar atenção redobrada. Durante uma breve pausa ou uma brincadeira relaxada, o cérebro infantil poderá armazenar a matéria ensinada sem ser perturbado. (GERHARD, e GEHARD 2006 p 56)

Quanto mais se empregar os recursos dos sentidos na aprendizagem, melhor ela será. Entretanto, o que percebe nas escolas é uma total negligencia sob esse aspecto, o sentido que mais se trabalha é o áudio visual.

[...] quanto mais recursos forem empregados na transmissão de uma informação, tanto melhor ela se fixará na memória de longa duração. É mais fácil aprender com a colaboração do maior número possível de órgãos dos sentidos. Como todos os neurônios se comunicam via sinais elétricos, tanto faz ativa-los mediante a visão, o tato, a audição, o movimento ou a mera reflexão. (GERHARD; GEHARD 2006 p 56)

Na escola atual há um controle sobre o que se aprende, a hora que se deve aprender e de que maneira se aprende, ignorando os dons, aptidões, talentos, culturas trazidas pelos alunos. Os programas de ensino estão prontos e acabados atendendo há uma exigência totalmente exterior ao aluno. Privilegia-se o estudo individual, incitando a competitividade, embora já se saiba que no ser humano as precondições cognitivas são genéticas, porém, desenvolve-se na interação com o mundo ao redor, o mundo que faz sentido e que possui significado para ele. A escola deveria propiciar o desenvolvimento dessas aptidões natas das crianças, interagindo com o currículo.
Toda criança possui um pacote próprio de possibilidades de desenvolvimento, tem seus talentos específicos, mas também suas fraquezas individuais. Ao que tudo indica, o sistema de busca de informações chamado cérebro sabe quais os pontos fortes do seu dono e procura explora-los e expandi-los com perguntas direcionadas. A típica ânsia de saber das crianças, que por vezes nos parece infinita, não é, pois arbitrária e despropositada, e sim balizada por talentos pessoais. À criança interessará mais aquilo que ela sabe melhor, e é também sobre isso que ela fará insistente perguntas. (GERHARD, e GEHARD 2006 p 57)
A escola ignora o corpo e a subjetividade dos alunos, tratando-os como se fossem “cabeças ambulantes”. Segundo Tardif “A cultura escolar tende a garantir o controle corporal dos alunos, para melhor sujeitar essa dimensão em benefício da valorização das funções verbo-intelectuais.” (TARDIF 2005 P.64).
A crença de que para aprender o corpo necessita de estar quieto e parado ainda é muito aceita nos meio escolares Para Foucault apud Tardif (2005, p.64) “a ordem na classe repousa sobre uma dicotomia entre o espírito e o corpo dos alunos” Estudos recentes comprovaram que um terço do cérebro humano é responsável pelo movimento corporal.
Nas crianças o movimento corporal expressa seus sentimentos e emoções, isso com o tempo irá se perdendo, pois o adulto é treinado para camuflar seus sentimentos e expressões corporais. Entretanto, o movimento, e a expressão falam do próprio indivíduo, sua história de vida, seus anseios, suas emoções, o movimento dessa forma é vida. Um dos papeis da escola atual é fazer com que a criança, desde que chegue a ela, aprenda a controlar seus movimentos, treinando-a a ficar quieta e calada.

Na criança pequena, a expressão corporal é viva, ou seja, manifesta suas reais sensações, sentimentos e emoções, mas, ao conviver com seu grupo social, ela vai interagir com normas e valores que “justificam” que ela deve se comportar dessa ou daquela maneira, ou seja, será fortemente “adaptada” àqueles padrões sócio-culturais. Em nossa sociedade, é comum termos que bloquear o que estamos sentindo e apresentar comportamentos mascarados, os quais são socialmente aceitos, mas um olhar atento nos conduz a entender o que realmente o corpo nos fala. (RICHTER 2006 P. 52)

O ser humano consegue aprender e se situar no mundo na interação com o outro; a subjetividade humana se forma à medida que interage com o meio social em que vive. A linguagem oral só pode ser construída a partir da comunicação. As conexões neurais vão se formando de acordo com o tempo, nenhum ser humano nasce com as conexões prontas e acabadas, elas vão se instalando à medida que forem sendo necessárias a se adaptarem ao meio, a comunicarem, a interagirem no ambiente em que vivem. Uma escola que se opõe à interação com o outro, a expressão corporal, o movimento, dificulta as conexões cerebrais a se formarem, refletindo-se na cognição.

Considerações Finais
A escola reflete a sociedade em que ela está inserida, a sociedade atual está em crise. Crise de paradigma, crise de valores, e conseqüentemente isso afeta a escola. A escola atual não consegue traduzir e adequar as mudanças ocorridas na sociedade. Há uma mudança profunda da sociedade, havendo necessidade de um novo olhar da escola, do educador. A neurociência está abrindo uma forma diferenciada de ver e interpretar o cérebro e com isso a maneira de compreender a aprendizagem. Entretanto, para isso há que se reverem as formações dos professores, que ainda estão muito embasadas em conceitos e concepções ultrapassadas.
Os novos estudos da neurociência podem e devem ser encarados como um conhecimento capaz de oferecer nortes que ajudariam os professores a entender melhor o processo ensino-aprendizagem. Contudo, não deve ser visto como uma fórmula mágica para resolver todos os problemas cognitivos que surgem, posto que o ser humano não é somente biológico e sim uma interação com o meio social, com o seu psíquico, enfim um ser político, social, biológico, não podemos valorizar somente um aspecto humano, para procurar desenvolver suas faculdades dons e talentos.

Referências

BARTH, BRITH-MARI. O Saber em Construção: Para uma pedagogia da compreensão. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.

CHARLOT, B. A Mistificação Pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. Trad. Ruth Rissin Josef. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 1979.

DAMÁSIO, A. R. O erro de Descarte: emoção, razão e o cérebro humano, Trad. Dora Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Companhia das letras, 1996.

Documentos oficiais do curso de pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia, disponível em <
www.ufu.br >, acesso em 12 de setembro de 2006.

DUARTE JÚNIOR, J. F. Itinerário de uma crise: a modernidade – Curitiba: Ed. UFPR, 1997
GEHARD, F. GEHARD, P. Educar com a cabeça. In: Viver mente & cérebro ano XVI n° 157 fevereiro de 2006, p.51-57.

LEAL, G. Aprender a ensinar. In Viver mente & cérebro ano XVI n° 157 fevereiro de 2006.
LUDKE, M. ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MICHAEL, L. F. Previsões para o futuro da aprendizagem, disponível em <>www.uol.com.br/aprendiz > acesso em 18/08/06.

MOTA M.V.S. A corporeidade na formação do professor e suas influências no desenvolvimento da criança: uma leitura Reichiana. In: FONSECA, S. G. BARAÚNA, S. M. MIRANDA, A. B. (orgs.). O uno e o diverso na educação escolar. Uberlândia EDUFU: FAPEMIG, 2005.

RICHTER, L. M. Movimento Corporal da criança na educação infantil: expressão comunicação e interação. Dissertação de mestrado Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia 2006.

TARDIF, MAURICE O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis RJ Vozes 2005

« Mestranda em Educação pela Universidade de Uberlândia (UFU), Licenciada em Ciências biológicas pela Universidade de Uberaba (UNIUBE), Professora de Ciências da Escola Municipal Profª. Olga de Oliveira, Uberaba (MG).

1 A neurociência é o estudo da realização física do processo no sistema nervoso animal e humano. Engloba três áreas principais: a neurofisiologia, a neuroanatomia e a neuropsicologia. A neurociência aplicada à educação pode ser compreendida como o estudo da estrutura, do desenvolvimento, da evolução e do funcionamento do sistema nervoso sob enfoque plural: biológico, neurológico, psicológico, matemático, físico, filosófico e computacional, voltado para a aquisição de informações, resolução de problemas e mudança de comportamento.


Texto originalmente publicado na revista científica Geografia & Educação da Associação dos Geógrafos do Brasil, seção local de Uberaba/MG, Ano I, n. 1, Julho de 2007, p. 60-67.

Complexidade X Simplicidade: Texto para reflexão

FÁBULA DOS PORCOS ASSADOS[1]

Uma das possíveis variações de uma velha história sobre a origem do assado é esta:

Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde se encontravam alguns porcos e eles foram assados pelo fogo. Os homens acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam os porcos assados deliciosos. Logo, toda vez que queriam comer porcos assados incendiavam um bosque.
Fazia tempo que as coisas não iam bem; às vezes os animais ficavam queimados ou parcialmente crus; outras vezes, de tal maneira queimados, que era impossível utilizá-los. Como era um procedimento montado em grande escala, preocupava muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram igualmente grandes. Milhões eram os que tinham ocupação nesta tarefa. Mas, curiosamente, à medida que se fazia em maiores escalas, mais parecia falhar e maiores perdas pareciam causar.
Em razão das deficiências, aumentavam as queixas. Já era um clamor geral a necessidade de reformar profundamente o SISTEMA.
Tanto assim, que todos os anos realizavam-se congressos, seminários, conferências e jornadas para achar a solução, mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo, porque, no ano seguinte, repetiam-se os congressos, os seminários, as conferências e as jornadas. E assim, sempre.
As causas do fracasso do SISTEMA, segundo especialistas, deviam-se atribuir ou à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deviam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de controlar, às árvores excessivamente verdes, ou à umidade da terra, ou ao Serviço de Informações Meteorológicas, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade de chuvas, ou ...
As causas eram – como se vê – difíceis de determinar porque, na verdade, o SISTEMA para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura com inúmeras variáveis. Havia indivíduos dedicados a acender o fogo: os incendiadores, que ao mesmo tempo eram especialistas de setores (zona norte, zona oeste, etc.); incendiador de verão e inverno, com disputas jurídicas sobre o outono e a primavera.
Havia especialistas em vento: os anemotécnicos. Havia um diretor de Técnicas Ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores); um administrador-geral de Florestamento Incendiável; uma Comissão Nacional de Cultura e Técnicas Alimentícias (ISCUTA) e o BODRIO (Bureau Orientador de Reforma ígneo-Operativa). O BODRIO era tão grande que tinha Inspetor de Reforma para cada 7000 porcos, aproximadamente. E era precisamente o BODRIO que propiciava anualmente, os congressos, os seminários, as conferências e as jornadas. Mas isto só parecia servir para incrementar o BODRIO em burocracia.
Tinha sido projetada e encontrava-se em pleno crescimento a formação de novos bosques e selvas, seguindo as últimas indicações técnicas (em regiões escolhidas segundo determinada orientação, onde os ventos não sopravam mais do que três horas seguidas e onde era reduzido o percentual de umidade).
Havia milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que logo teriam que ser incendiados. Havia especialistas na Europa, nos Estados Unidos estudando as madeiras, as árvores e sementes, de melhores e mais potentes fogos e analisando idéias operativas (por exemplo: como fazer buracos, para que neles caíssem os porcos).
Havia construções e professores formadores dos especialistas na construção de estábulos para porcos. Universidades que preparavam os professores formadores dos especialistas em construção, pesquisadores, os quais forneciam o fruto de seu trabalho às Universidades que preparavam os professores e especialistas em construção e Fundações que apoiavam os pesquisadores que davam o fruto de seu trabalho às Universidades e estas preparavam os professores formadores dos especialistas em construção.
As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar o fogo triangularmente, logo após a raiz quadrada de A-1, pela velocidade do vento sul, e soltar os porcos 15 minutos antes da temperatura média da floresta alcançar 47 graus; outros diziam que era necessário pôr grandes ventiladores, que serviriam para orientar a direção do fogo, e assim por diante... E não é preciso falar que poucos especialistas estavam de acordo entre si. E que cada um tinha pesquisas e dados para provar suas afirmações.
Um dia, um incendiador Categoria SO/DMNCH (isto é, um incendiador de bosques especialista Sudeste, diurno, matutino, com licenciatura em verão chuvoso) falou que o problema era muito fácil de resolver. Tudo consistia, segundo ele, em, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o, posteriormente, numa jaula metálica ou armação sobre umas brasas, até que o efeito do calor, e não das chamas, o assasse ao ponto.
Ciente, o diretor-geral do Assamento mandou chamá-lo e perguntou: que coisas esquisitas ele andava falando por ali? Depois de ouvi-lo, disse-lhe:
— O que o senhor fala está bem, mas somente na teoria. Não vai dar na prática. Pior ainda, é impraticável. Vamos ver: o que fazer com os anemotécnicos? E os acendedores das diversas especialidades? E os especialistas em sementes, em madeiras? E os desenhistas de estábulos de sete andares, com suas máquinas limpadoras e perfumadoras automáticas? E os indivíduos que foram ao estrangeiro para se especializar, durante anos, e cuja formação custou tanto? Vou pô-los para limpar porquinhos? E os que têm se especializado todos esses anos em participar de congressos, seminários, conferências e jornadas para a reforma e melhoramento do SISTEMA? Se o que senhor fala resolve tudo, que faço com eles?
O senhor percebe agora que a solução não é a de que todos nós necessitamos? O senhor acredita que, se tudo fosse tão simples, os nossos especialistas não teriam achado a solução antes?
Veja só! Que autores falam isso? Que autoridade pode avaliar a sua sugestão? O senhor, por certo, imagina que eu não posso dizer aos engenheiros em anemotécnica que é questão de por brasinhas sem chamas! O que eu faço com os bosques já preparados, ao ponto de serem queimados, que somente possuem madeira para fogo conjunto, cujas árvores não produzem frutos, cuja falta de folhas faz com que não prestem para dar sombra? O que eu faço? Diga-me.
O que eu faço com a Comissão Redatora de Programas Assados, com seus Departamentos de Classificação e Seleção de Porcos, com a Arquitetura Funcional de Estábulos, Estatística, População, etc.?
O engenheiro em Porcoterapia não é uma extraordinária personalidade científica? Bem, o simples fato de possuir extraordinários engenheiros em porcoterapia indica que o SISTEMA é bom. E que faço com indivíduos tão valiosos?
Viu? O senhor tem que trazer a solução certa para certos problemas. Por exemplo, fazer melhores anemotécnicos ou conseguir mais rapidamente acendedores do Oeste (que é nossa maior dificuldade), como fazer estábulos de oito andares ou mais. Traga-me uma resposta para que nossos bolsistas custem menos ou mostre-me como fazer uma boa revista para análise profunda dos problemas da Reforma do Assamento. É disto que necessitamos.
Agora o senhor vê que o problema é mais sério e não tão simples como o senhor imaginava.
O incendiador não falou um “A”.
Sem despedir-se, meio assustado e meio atordoado, com a sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu. E, nunca mais, alguém o viu. Não se sabe para onde ele foi. Talvez esteja aplicando, em outros locais, soluções simples e transformadoras.
[1] Texto parcialmente adaptado de um artigo de Forcane Tilich, originalmente publicado em Juicio de La Escuela Cirigliano, - Buenos Aires: Humanitas, 1976