terça-feira, 19 de abril de 2011

A PAISAGEM DA JANELA




Por Valter Machado da Fonseca

Na estrada de terra, empoeirada, esburacada
Vai o ônibus lento fugindo dos buracos traiçoeiros
Da janela o homem de pele morena, cabelos grisalhos
As rugas na testa, nos cantos da boca os sulcos do tempo
Seus olhos cansados, ainda conservam o brilho suave
Dos tempos passados, da esperança que ainda resiste

Da janela estreita do velho ônibus, observa a paisagem
Às vezes de verde exuberante, às vezes árida, sombria, vazia
Ao longe nuvens esparsas pintam o azul do céu de outono
Os olhos cansados, fitos no infinito observavam com cuidado
À procura de algo novo, de algum detalhe que relembre o seu passado

Da janela do ônibus, observa ao longe o velho casebre
Imagina as pessoas que teriam a coragem de habitá-lo
Ao redor da casa o cão vadio, magro, sem forças pra latir
Reflete a condição de penúria, talvez fome e miséria
Daqueles que ali vivem, talvez, apesar de tudo felizes
Talvez esperando a chuva, trazendo com ela a flor da primavera

Da janela do ônibus empoeirado, o homem pensa na vida
Relembra o passado, os momentos felizes, o prazer da infância
Relembra o carrinho dos amigos e das mulheres que passaram
Os tempos tristes, as angústias e os sofrimentos que ficaram
A vida, pensa ele: é como a estrada, está em movimento
Alternam paisagens alegres, às vezes tristes como um lamento.

Dentro do ônibus um pequeno grupo de viajantes
Cada um com seu pensamento, com sua alegria, com sua aflição
Todos nas janelas, observam a paisagem, forçam a visão
Será que todos eles vêem a mesma paisagem sempre fixa?
Talvez, arbustos em seus pensamentos, trancados na intimidade
Nem notem o cão magro, o velho casebre com dignidade

Da janela do velho ônibus em constante movimento
A paisagem lá fora é a aquarela que mancha a tela
Da pintura do mundo, imundo, às vezes árido, às vezes fecundo
A velha aquarela, manchada, desbotada, só velho cão
É o reflexo da vida, sofrida, abalada, reflexo do mundo
O homem na janela do ônibus, talvez seja apenas o reflexo da solidão.

sábado, 2 de abril de 2011

O pão nosso de cada dia (1)

Por Prof. Ms. Valter Machado da Fonseca
Há dias atrás, o JM publicou um artigo de minha autoria intitulado “A mídia e o veneno que nos servem à mesa”, que fez muito sucesso. Prova disso é a quantidade de e-mails que recebi de diversas partes do país e até do exterior (Portugal, Argentina, Espanha). O objetivo desse artigo não é discutir o sucesso de meu texto. Citei o fato, pois ele nos remete a algumas importantes reflexões. Os e-mails recebidos mostram a relevância do tema “saúde”. “obesidade”, “alimentação saudável”. Demonstram ainda a preocupação de parte da população [que não aparece nas estatísticas oficiais] em relação à saúde. Então, resolvi dar continuidade às reflexões sobre esta relevante temática. Enviarei ao JM uma série alternada de contribuições sobre este assunto.
Hoje tratarei de um assunto bastante polêmico e que vem sendo, sistematicamente, discutido nas grandes rodas de pesquisas científicas das áreas de saúde humana: a transgenia ou melhoramento e/ou clonagem de espécies vegetais e animais. Nas últimas décadas, o avanço das técnicas de engenharia genética colocou em foco a questão da transgenia, isto é, a produção de organismos geneticamente modificados (OGM). Um OGM é um ser vivo obtido ao introduzir-se, em uma espécie biológica, de forma estável e hereditária, um gene mediante mecanismos de DNA recombinante, o que implica no fato de que, pela primeira vez na história, a transmutação de genes permitiu romper a barreira entre as espécies.
O Conselho de Informação sobre Biotecnologia – CIB (2004) informou que, em 1994, o primeiro transgênico chegou às prateleiras dos supermercados: um tomate, desenvolvido para ter mais sabor do que o comum e suportar maior tempo de armazenamento. No ano seguinte, a primeira variedade de soja transgênica foi introduzida no mercado. Estas evidências mostram somente a “ponta do iceberg”, hoje, além do tomate e da soja, diversas espécies geneticamente modificada têm sido colocadas nos varejões e prateleiras dos supermercados à disposição dos consumidores. Grande variedade de produtos “vistosos e bonitos” é colocada, diariamente, à nossa disposição no mercado, a exemplo de hortaliças, legumes, grãos e carnes de todos os tipos. Agora, além de nos preocuparmos com os herbicidas/pesticidas lançados sobre os alimentos e depois infiltrados no solo contaminando-o juntamente com as águas, temos que nos preocupar ainda com aquilo que a gente não vê, pois ocorre em nível de DNA: a transgenia de alimentos.
E, por trás de todas essas experiências, da qual as cobaias somos nós mesmos, existem os grandes grupos multi/transnacionais que ficam, cada dia mais, bilionários à custa dessas experiências com a saúde humana. Eles controlam todo o processo produtivo da indústria agronômica, farmacêutica e de alimentos. Os pequenos produtores ficam à sua mercê, pois dependem deles para a aquisição de sementes [já que não adianta selecionar os grãos, pois eles não têm mais potencial germinativo], aquisição de insumos, pesticida, herbicidas, dentre outros agrotóxicos.
Isto impede que os pequenos produtores pratiquem a agricultura de subsistência e/ou familiar, devido ao grande cartel oligopolista, formado pelos gigantes genéticos, os quais estipulam preços incompatíveis com as práticas dos pequenos produtores, uma vez que esses preços são estabelecidos para atender a realidade da monocultura voltada para a exportação. Enquanto o homem brinca com pesquisas sérias, em troca do lucro, nós assistimos à volta de doenças antigas e o surgimento de novas. Assim, vamos deixar para os nossos filhos e netos um monte de doenças, alimentos artificiais e pragas, decorrentes da ganância humana, muitas vezes chamada, equivocadamente, de “progresso e desenvolvimento”. Neste sentido, alguns poucos grupos ganham fortunas à custa do sofrimento, miséria e morte de grande parcela da população, principalmente os mais humildes.