sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

TRAGÉDIA DO HAITI: O RETRATO DA DESIGUALDADE SOCIAL NO PLANETA

Por Valter Machado da Fonseca

As cenas de terror desencadeadas a partir do terremoto em território haitiano servem para deixar a nu o velho problema crônico da segregação e desigualdade sociais no mundo subdesenvolvido. As cenas de morte, fome e miséria são horripilantes, mas não estão tão distantes da realidade do país no período que antecedeu o terremoto de 7.0 na escala Richter.
A história do Haiti sempre foi marcada por cenas de violência, narcotráfico, fome e miséria absolutas. A situação da população haitiana, da qual mais de 80% vivem abaixo da linha de pobreza, sobrevivendo com a irrisória quantia de R$ 2,00 por habitante/dia (se é que podemos chamar a isso de sobrevivência) não é uma novidade trazida pela tragédia recente.
Desde a colonização, sob o domínio da França, a população negra do Haiti vive as mazelas do sofrimento originadas pela segregação e desigualdade sociais que imperam no atual modelo econômico de produção. Na verdade, o capitalismo possui duas faces que fazem parte de uma mesma moeda: uma delas propicia o desenvolvimento e o bem estar social para uma parcela da população mundial que detém a maioria das riquezas produzidas pelas nações ricas; a outra face esconde o lado oculto de grande contingente da população mundial, que sobrevive das migalhas e das esmolas jogadas ao vento pelos países desenvolvidos. Esta realidade é visível a olho nu, em países da Ásia Central, África e Américas do Sul e Central. Basta que estendamos os olhares para países como a Índia, Afeganistão, Iraque, Países do Oriente Médio, Somália, Etiópia, Bolívia, Colômbia, Guianas, El Salvador, Porto Rico, Nicarágua, Guatemala, Haiti, dentre inúmeros outros, para entendermos o problema da desigualdade social, fruto da má distribuição das riquezas em todo o planeta.
Todos esses dias em que a imprensa tem feito a cobertura da tragédia haitiana, as cenas mais corriqueiras são violência, fome, desespero e montes de cadáveres empilhados pelas ruas de Porto Príncipe (capital do Haiti). A população mundial assiste a tudo de forma atônita, aterrorizada, como se isso fosse algo inédito naquele país. Não! Essas são cenas corriqueiras, porém estavam dissimuladas, disfarçadas, pela força de instituições falidas e fantoches. Não era do interesse dos detentores do poder político e econômico mundiais divulgarem para o mundo a real situação do Haiti.
Por que o Brasil foi convocado a deslocar uma parcela das suas forças armadas para manter a ordem pública e fortalecer as instituições em território haitiano? Elas [as forças armadas brasileiras] foram chamadas, justamente, para dar legitimidade a um Estado falido, sem governo. Para manter a ordem num território invadido pelo desespero, pela fome e pelo medo, onde as crianças se alimentam de “tortilhas de barro” para enganar a fome, onde o povo em desespero começa a praticar atos de canibalismo. Esses fatos são sintomas da barbárie de uma população lançada à própria sorte, pelos países ricos.
Não estou aqui tentando amenizar as consequências do recente terremoto em território haitiano. De todo erro, de toda catástrofe, de toda fatalidade, se devem retirar lições que nos permitam melhor planejar nossas ações em benefício do bem estar coletivo. Há poucos dias, o mundo assistiu esperançoso, à COP 15, a tão badalada Conferência de Copenhague (Dinamarca). A grande maioria da população do planeta apostou suas fichas na tão divulgada conferência. Esperava-se dela ações práticas de combate à degradação ambiental e social do planeta, ou seja, ações efetivas que, além de combater a emissão de poluentes para atmosfera, também buscassem minimizar as mazelas da segregação e desigualdade sociais, em especial dos países pobres. Nada disso aconteceu, pois os problemas ambientais passaram despercebidos e os países pobres, inclusive o Haiti, também passaram despercebidos. O eixo das discussões foi focado na construção da hegemonia política e econômica pelas nações ricas.
Apesar do circo de horrores montado devido à catástrofe natural recente no Haiti, o evento sísmico (terremoto) serviu para trazer à tona os problemas sociais crônicos que não são privilégios, exclusivos, do povo haitiano, mas do conjunto das nações pobres do planeta. O fenômeno sísmico serviu de sinal de alerta para as principais potências capitalistas, pois, o mundo todo assistiu, via satélite, em tempo real, os corpos espalhados pelas principais ruas do centro de Porto Príncipe, as pás carregadeiras sendo usadas para transportar pilhas de cadáveres para serem lançados em valas rasas, sem identificação, sem rosto e sem nenhuma identidade. São cenas autênticas de Barbárie, da autodestruição do homem pelo próprio homem.
Enfim, a tragédia do Haiti serviu para a retomada de um pouquinho de nossa razão. Serviu para repensarmos: que mundo se quer construir? Qual é o verdadeiro projeto de vida na sociedade mantida pela força da mais valia, pela força do capital? Qual é o modelo de desenvolvimento [da sociedade ocidental] que fecha os olhos para os graves problemas sociais, para a angústia de diversas nações e etnias que vivem nas lacunas do sofrimento? Muito se fala nos grandes problemas ambientais dos tempos modernos, porém, se esquecem que os problemas originados da segregação, do preconceito, da discriminação e da desigualdade social, também são problemas ambientais e, dentre eles, a fome e a miséria talvez sejam os piores. A população sofrida do Haiti necessita, com certeza, de toda ajuda material. Mas, mais do que nunca, esse povo necessita de auxílio para reconstruir sua autoestima e sua dignidade, enquanto seres humanos. Quero concluir com uma singela homenagem a uma pessoa que dedicou toda sua vida tentando reconquistar a autoestima e a dignidade de adultos e crianças que vivem nas lacunas do sofrimento: Nossa singela homenagem à Drª. Zilda Arns!

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