sábado, 19 de junho de 2010

Em nome da humanidade! Obrigado José Saramago!

Por Valter Machado da Fonseca

Neste dia 18 de junho de 2010, a humanidade perdeu um de seus membros mais ilustres. Morreu José Saramago, escritor português que fazia da pena uma poderosa arma contra as injustiças e em favor dos injustiçados do mundo. Apesar de nascer em Portugal, Saramago era cidadão do mundo. Era um homem para além desse tempo de “barbárie”, era um homem cuja visão simples, própria da origem camponesa, não se concentrava nos detalhes, mas na totalidade da essência do mundo, conseguindo perceber os detalhes e suas ligações com a totalidade do mundo, com a harmonia e desarmonia da vida. Assim era Saramago, assim ele foi durante toda sua existência. Polemizava quando era necessário, brigava quando tinha convicção de sua causa, porém, nunca abandonava uma causa nobre.
Esse adorável escritor passou toda sua existência entre o amor e o ódio. Era amado pelos que possuíam nobreza de caráter e odiado pelos covardes, pelos assassinos, pelos injustos, pelos escravagistas, pelos censores. Saramago examinava o mundo com a lupa da honradez, da retidão de seus valores, da luta contra todas as formas de preconceito e discriminação [das maiorias e das minorias]. Mais que escritor, ele era um militante em favor das causas justas, por isso, ele examinava os fatos e suas consequências e não seus autores. Elogiava quando se merecia e criticava quando necessário. Não importavam a quantos nem a quem eram dirigidas suas críticas ou elogios. Esse era o homem português, escritor, lutador, desbravador, pesquisador, poeta de muitos ou de poucos homens.
Sua obra tinha o traço da crítica severa, mas não da crítica pela crítica, mas da crítica propositiva, que buscava alternativas, que vislumbrava novos horizontes, novos rumos, novos caminhos. Acreditava que para “para se descobrir novos caminhos é necessário sair dos trilhos”, pois eles [os trilhos] determinam um único caminho, já conhecido. Sua obra se destaca pela ironia verdadeira, pela contundência de sua crítica, pelo apelo que faz em nome da construção de outro mundo, de outra sociedade. Sua filosofia era a filosofia da liberdade, do amor à vida e aos homens justos, acima de tudo.
Sua obra se destaca, mais que nunca, pela simplicidade de sua escrita. Mas não é uma simplicidade qualquer, é a simplicidade que destaca o complexo, o contexto. É uma simplicidade que se aprofunda desnudando a verdade de suas crenças, metendo medo nos covardes, dando o verdadeiro nome às coisas, não importando a quem ou a quantos iria agradar ou desagradar. Diferente de alguns que se dizem escritores, Saramago não escrevia para vender. Não fazia da literatura mera mercadoria a serviço da mais valia. Sua obra objetivava a construção de uma filosofia de vida, da edificação de um mundo e de uma sociedade mais humanos. Esses traços, contundentes em sua literatura o assemelham a Paulo Freire.
Ao analisarmos, com profundidade, seus trabalhos, podemos perceber diversos pontos comuns com os trabalhos do professor Paulo Freire. Assim como Freire, Saramago acreditava que a utopia de hoje será a realidade de amanhã, que a esperança é o tênue fio que une o sonho à realidade. Assim como o nosso brilhante Paulo Freire, ele também acreditava na emancipação dos “Demitidos da vida”, dos “Esfarrapados do mundo”. Por isso, defendia os indígenas, os negros, os mendigos, as prostitutas, os homossexuais, enfim, fazia sua a causa dos oprimidos, dos “De baixo”, nas palavras de Freire. Assim como Freire, Saramago acreditava no poder de transformação presente em cada ser humano, acreditava na essência entre a forma e o conteúdo. Enfim, os dois acreditavam com veemência na emancipação dos oprimidos diante dos opressores. A “Pedagogia crítico-libertadora” de Paulo Freire é a mesma “Filosofia da liberdade” de Saramago.
Por fim, a humanidade não perdeu apenas um escritor ilustre. Mais que isso! A humanidade perdeu um militante em favor da justiça, dos oprimidos. Perdeu um homem que desafiava, com a mesma intensidade tanto o Vaticano quanto a Casa Branca. Perdeu um homem que, acima de tudo, nunca se deixou fascinar pelo poder que emana das elites, das falcatruas, das maracutaias, da desonestidade e da injustiça.
Enfim, pelo homem que foi e pelas ideias que construiu, por intermédio de sua escrita simples, cuja obra se assemelha à batuta que rege uma grande sinfonia, em nome da humanidade, eu brado em alto e bom som: sua obra percorrerá a eternidade. Obrigado! Grande José Saramago!


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