sábado, 3 de julho de 2010

SOB A MAQUIAGEM DA COPA: A OUTRA ÁFRICA!

Por Valter Machado da Fonseca
Quase todas as atenções do mundo se voltam para o segundo maior evento esportivo do planeta, a Copa do Mundo de Futebol, que perde apenas para os Jogos Olímpicos. Pela primeira vez na história da copa, ela está sendo realizada no continente africano. Mas, isto não é novidade para ninguém, pois esse evento já estava anunciado há mais de quatro anos. Como todo brasileiro, também gosto de futebol, porém, o que pretendo com este breve artigo não é tecer nenhum comentário sobre o futebol em si, muito menos analisar os jogos.
O que quero é chamar a atenção sobre o continente no qual o evento se realiza: a África. O que temos assistido até o presente momento é uma verdadeira festa [de todas as cores], com um grande número de torcedores [turistas] dos diversos países que participam da competição. É interessante verificar que todos os estádios que recebem a competição são construções suntuosas, com estruturas de causar inveja às principais potências capitalistas do planeta. É interessante ainda, observar que a maioria dos estádios fica com sua lotação esgotada, às vezes de uma hora para outra. Também é importante verificar que a grande maioria dos torcedores é bem vestida, rostos corados, sadios e esbanjam alegria. Em nenhum momento se consegue perceber a realidade social do continente africano, nem mesmo no momento da eliminação dos “Bafana Bafana”.
Aí surge uma interrogação: será que essa competição é mesmo na África. Será que ela se realiza no mesmo continente, acerca do qual sempre acompanhamos notícias da enorme desigualdade social, subnutrição, fome, mortalidade infantil, guerra civil, miséria? Por incrível que pareça, as redes de TV, as rádios e jornais, em nenhum momento tocaram nos graves problemas sociais da Etiópia, da Somália, de Serra Leoa, dentre inúmeros outros países marcados pela população em estado de miséria absoluta. A ostentação da arquitetura e suntuosidade dos estádios e da infra-estrutura que os atendem está em gritante contradição com a situação econômica da maioria dos países que compõem o continente, inclusive a própria África do Sul, que passa por uma enorme crise econômica.
É fato também que a FIFA andou distribuindo milhares de ingressos para uma parcela da população [obedecendo a critérios de seleção, que priorizam as regiões menos miseráveis e setores menos pobres da população sul africana], para que a África esteja presente nos estádios e prestigie o evento em seu país. Ficaria, no mínimo estranho, um evento esportivo desta magnitude na África, sem a presença dos africanos. A rede de comunicação noticiou, in passim, a greve dos trabalhadores africanos que participaram da construção das obras dos estádios e da infra-estrutura básica exigida pela FIFA [e que segundo consta, até agora não receberam seus salários]. Outra pergunta levantada pela rede de comunicação foi: Quem irá pagar os custos dessas suntuosas construções, estimadas em bilhões de dólares? Ao mesmo tempo, mostrou a população sul africana apreensiva acerca de quem irá arcar com esses gastos milionários. A propósito: Por que será que Nelson Mandela não compareceu a nenhum jogo? Será apenas devido ao falecimento de sua neta ou pela sua saúde debilitada? E a grande maioria dos chefes de Estado que comparecem a todo evento esportivo de grande magnitude, por que não deram as caras?
Este evento esportivo pode ser comparado ao terremoto do Haiti, só que o terremoto serviu para trazer à tona as mazelas decorrentes da desigualdade social e da situação de miséria da grande maioria da população haitiana, ao passo que a copa do mudo de futebol na África, está sendo usada para esconder, maquiar a triste e cruel realidade social do continente. Para mostrar ao mundo que a África conseguiu “bancar” um dos maiores eventos esportivos do planeta. Mas, com o dinheiro de quem?
Por fim, a FIFA conseguiu mostrar ao mundo que a África que há poucos meses atrás era chamada de “Terceiro Mundo”, na época da copa retoma seu “legítimo lugar” de berço da humanidade. Finalmente, é preciso enfatizar a “importância” da realização desta copa no continente africano que, embora tenha todas as suas seleções eliminadas do torneio, a população está “feliz” [sempre entre aspas]. Para a FIFA, ao término do torneio, quando todos forem embora e o continente for novamente esquecido, principalmente pelas nações desenvolvidas, o povo pobre ficará imensamente feliz, pois restará a eles um punhado de estádios magníficos e suntuosos [combinando com seus elefantes brancos] que a população terá imenso prazer em deixar de se alimentar, para bancar o “pequeno investimento” gasto em sua construção. Afinal, qual foi o ganho que a África teve ao realizar tão importante evento? Provavelmente ela ficará na história, figurando no Guines Book, como um continente ousado que em apenas um mês terá conseguido aumentar em, pelo menos dez vezes, o índice de miséria de sua população. Um recorde verdadeiramente difícil de ser batido.

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