sexta-feira, 29 de maio de 2009

AQUIFERO GUARANI: O maior reservatório de água subterrânea da América do Sul é ameaçado pela poluição



Por Valter Machado da Fonseca[1]

Imagem: USP (2009)
O sistema capitalista, por um lado, conseguiu imprimir com grande eficiência, o avanço técnico-científico nas áreas de superprodução de bens de consumo, da indústria química e petroquímica, da automação, robótica, nuclear, armamentos, da engenharia genética, de eletro-eletrônicos, de alimentos, etc.; além de imprimir um novo ritmo à indústria da informática, das telecomunicações e dos transportes. Por outro lado, ele promoveu a marginalização de largas camadas da humanidade, o aparecimento de novas doenças, o ressurgimento de males medievais, principalmente nos países atrasados; a desnutrição, o acúmulo de todo o tipo de lixo, a destruição de grande parte da vegetação, a contaminação das águas e do solo, a substituição de biomas inteiros, como o Cerrado e a Mata Atlântica, por atividades agropecuárias.
As conseqüências do impacto ambiental foram as mais drásticas possíveis. Já no início da Revolução Industrial, com a utilização das máquinas a vapor, iniciou-se um violento ataque à biomassa do planeta, com milhões de km² de florestas virgens sendo devoradas para a manutenção da indústria de base, principalmente a siderurgia e o transporte ferroviário.
A degradação das florestas veio acompanhada da deterioração das águas por produtos químicos e resíduos, advindos das indústrias. Com a superprodução industrial, surgem outros tipos de poluição que afetam, além das águas superficiais e subterrâneas, também os solos, a atmosfera e os seres vivos, dentre eles o homem. Hoje convivemos com os perigos decorrentes da poluição atmosférica, do acúmulo de lixo doméstico e resíduos industriais, do excesso de lixo tóxico e nuclear, além dos problemas causados pela emissão de gases tóxicos para a atmosfera, como o efeito estufa, o aquecimento global, as chuvas ácidas e o buraco na camada de ozônio.
É exatamente dentro deste contexto das contradições oriundas do modelo de desenvolvimento capitalista que se situa a problemática da contaminação das águas.
A mídia comumente tenta repassar falsas concepções a respeito desta problemática como: "a água do planeta está ameaçada de extinção" ou, "a população que joga seu lixo nas ruas ou nos lagos, córregos e riachos é responsável pelas catástrofes ou inundações, etc.". Este procedimento, muito comum, da mídia é a simplificação do problema, trata-se de um método ilusório de focalizar o problema em simples casos isolados, tentando jogar o ônus da crise ambiental sobre os ombros da população.
É importante destacar que, a quantidade de água existente no planeta não está diminuindo ou aumentando, ela se mantém constante, pois é regulamentada pelo ciclo da água que determina sua movimentação em seus diversos estados (sólido, líquido e gasoso), em uma dinâmica perfeita que mantém constante a quantidade de água no planeta.
As técnicas avançadas da produção industrial aplicada à agricultura e mais recentemente o desenvolvimento da biotecnologia especialmente a biotecnologia de alimentos, tem produzido uma gigantesca quantidade de insumos agrícolas e agrotóxicos que causam a contaminação dos rios, lagos, solos e aqüíferos subterrâneos. Os produtos químicos aplicados à agricultura contaminam além das águas e dos solos, também os alimentos consumidos pela população, trazendo prejuízos irreparáveis à saúde humana. É neste contexto, que se situa o processo de aceleração da poluição do maior reservatório de água subterrânea da América do Sul: o Aqüífero Guarani, que será tratado em tópico à frente.

1 - O fim do ciclo do petróleo e a estratégia geopolítica da água como recurso energético.

A humanidade assiste, neste início de século, ao fim de um de um recurso natural não renovável: o ciclo do petróleo. O fim inevitável da utilização do petróleo, enquanto fonte de energia coincide com o início da estratégia geopolítica da água, considerada um recurso natural renovável.
A geopolítica do petróleo, neste limiar de século, tem servido de subterfúgio para ameaçar a autonomia e a autodeterminação dos povos, justificativas, escondidas atrás de discursos “anti-terror” e “anti-nucleares”, para invasão de territórios, principalmente daqueles onde se encontram as maiores jazidas deste recurso natural. Em nome de subterfúgios espúrios, justificam-se guerras e carnificinas. Por outro lado, a utilização dos combustíveis fósseis tem sido a maior responsável pela poluição e degradação do planeta, desde que eles foram descobertos como forma de energia.
A indústria automobilística é hoje, sem sombra de dúvida, a principal responsável pela emissão de gases tóxicos para a atmosfera, principalmente o dióxido de carbono (CO2). Os subprodutos do petróleo fabricados nos pólos petroquímicos, a exemplo dos plásticos, são os grandes vilões da superprodução de lixo doméstico e industrial, transformando o planeta em um grande depósito de resíduos. Neste último período, em particular, assiste-se à progressão, sem precedentes, do aumento do nível dos oceanos e da temperatura da Terra (aquecimento global), o que incide, diretamente, sobre as drásticas alterações climáticas (derivadas do efeito estufa) que sevem de “sinal de alerta” acerca do futuro incerto de todas as espécies de seres vivos, dentre elas o Homo Sapiens.
Agora, o ciclo do petróleo está em sua fase derradeira. Os centros de estudos do mundo todo já realizam pesquisas sobre a utilização da água como fonte alternativa de energia. Neste sentido, este precioso recurso natural ganha um enorme valor econômico e geoestratégico, ao lado do valor econômico agregado à biodiversidade. Porém, a utilização da água como fonte de riqueza, no atual modelo econômico de desenvolvimento das forças materiais da sociedade, despreza-a como fonte de vida. A nova tecnologia, apesar de não diminuir a quantidade total da água do Planeta, utiliza o precioso recurso natural como se ele não fosse necessário à continuidade da vida. A poluição das águas faz parte do conjunto de fatores degradantes dos recursos da natureza.
É importante salientar que o Brasil, sozinho, possui 12% da água potável do globo terrestre. Diante disso, torna-se alvo de cobiça dos países ditos desenvolvidos. É até incompreensível o modo como são tratados os recursos hídricos no país. Grande parte do complexo industrial brasileiro despeja seus rejeitos e resíduos diretamente nos corpos d’água. Por seu lado, as novas tecnologias agroindustriais utilizam-se de milhares e milhares de toneladas de agrotóxicos e insumos agrícolas, por intermédio da prática das monoculturas, colocando em risco as águas subterrâneas. O Brasil abriga 2/3 do maior reservatório de água subterrânea da América do Sul: o Aqüífero Guarani, que já está sendo seriamente ameaçado pela utilização desordenada de suas águas e pela utilização de agrotóxicos pela prática das monoculturas de exportação.

2 - Aqüífero Guarani: a maior reserva de água subterrânea da América do Sul.

Segundo fontes do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) o Aqüífero Guarani é a principal reserva subterrânea de água doce da América do Sul e um dos maiores sistemas aqüíferos do mundo, ocupando uma área total de 1,2 milhões de km² na Bacia do Paraná e parte da Bacia do Chaco-Paraná. Estende-se pelo Brasil (840.000 Km²), Paraguai (58.500 Km²), Uruguai (58.500 Km²) e Argentina, (255.000 Km²), área equivalente aos territórios da Inglaterra, França e Espanha juntas. Sua maior ocorrência se dá em território brasileiro (2/3 da área total) abrangendo os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O Aqüífero Guarani, denominação do geólogo uruguaio Danilo Anton em memória do povo indígena da região, tem uma área de recarga de 150.000 Km² e é constituído pelos sedimentos arenosos da Formação Pirambóia na Base (Formação Buena Vista na Argentina e Uruguai) e arenitos Botucatu no topo (Missiones no Paraguai, Tacuarembó no Uruguai e na Argentina).
O Aqüífero Guarani constitui-se em uma importante reserva estratégica para o abastecimento da população, para o desenvolvimento das atividades econômicas e do lazer. Sua recarga natural anual (principalmente pelas chuvas) é de 160 Km³/ano, sendo que desta, 40 Km³/ano constitui o potencial explotável sem riscos para o sistema aqüífero. As águas em geral são de boa qualidade para o abastecimento público e outros usos, sendo que em sua porção confinada, os poços têm cerca de 1.500 m de profundidade e podem produzir vazões superiores a 700 m³/h. Por ser um aqüífero de extensão continental com característica confinada, muitas vezes jorrante, sua dinâmica ainda é pouco conhecida, necessitando maiores estudos para seu entendimento, de forma a possibilitar uma utilização mais racional e o estabelecimento de estratégias de preservação mais eficientes.

2.1 - O Aqüífero Guarani como fonte de água potável e a prática das monoculturas.

Um exemplo clássico de utilização das águas do Guarani é o abastecimento de água da cidade de Ribeirão Preto (SP). Toda a cidade (100%) é abastecida pelas águas do Aqüífero Guarani. Grande parte deste abastecimento é feita sem planejamento, conforme informam estudos da UNICAMP, como se o reservatório tivesse um tempo de vida infinita. Segundo denúncias do Núcleo de Economia Agrícola (NEA), do Instituto de Economia da UNICAMP, “Os cerca de 500 poços artesianos abandonados em Ribeirão Preto, a redução do nível da água em cerca de 60% e a possibilidade de contaminação dos mananciais próximos às áreas agrícolas, ameaçam a existência da maior reserva de água potável da América Latina: o Aqüífero Guarani”. Como a cidade de Ribeirão Preto, existe, aproximadamente, uma centena de outras cidades do sudeste que exploram as águas do aqüífero.
Apesar de ser um problema, este não é o maior deles. O maior problema de contaminação das águas, tanto superficiais quanto subterrâneas, se liga ao uso e manejo incorretos dos solos agrícolas, por intermédio das práticas das monoculturas voltadas para a exportação. Agora as preocupações se avolumam com a volta da monocultura da cana-de-açúcar, que arrasa os solos e diminui o nível de água dos lençóis freáticos. Este tipo de monocultura afeta a bioestrutura dos solos, ressecando-os, deixando-os em vias de desertificação. O uso massivo de agrotóxicos e de todo tipo de herbicidas e pesticidas, as altas dosagens de insumos agrícolas, acabam contaminando as águas superficiais e subterrâneas.
Portanto, o Aqüífero Guarani é um recurso natural de valor estratégico incalculável, como fonte de água potável, para esta e para as futuras gerações. Cabe a toda a população brasileira zelar pela garantia da preservação deste valiosíssimo recurso da natureza, como forma de garantir a continuidade da vida no planeta. Para encerrar, nada melhor que a citação de Paulo César de Almeida Freitas (2006): “Acredito ser de uma insensatez e irresponsabilidade sem limites, a utilização das águas do aqüífero Guarani, pois como se sabe, é um recurso finito e por isto deveria ser objeto de uma legislação específica, que viesse proteger este tão importante manancial, que representa um recurso hídrico estratégico, por ocasião de uma eventual escassez. Escassez esta que pelas evidências hoje observadas, já se pode antever, resultado da insaciável e insana sede do poder demonstrada até então pelo ser humano, que faz com que seres racionais ajam contra si próprios e seus descendentes, agredindo implacável e cruelmente o meio ambiente. É como relata a obra "O clamor das águas", que em certo trecho diz: ‘Caso nos próximos trinta anos, o homem não tiver revertido o quadro de degradação e flagelo por ele imposto à natureza, a vida por sobre a terra estará irremediavelmente comprometida. Ou seja, baseado nesta previsão, caso não promovamos uma radical mudança em nossas atitudes comportamentais, a geração que hoje habita o planeta poderá ser... a última’. Diante do exposto, espero que doravante ajamos com responsabilidade e senso preservacionista a fim de não deixarmos como legado às futuras gerações, uma terra árida, desértica, com altas temperaturas, enfim, um lugar que não ofereça um mínimo de condições de sobrevivência”.
Por fim, este é um primeiro artigo que ouso escrever sobre o Aqüífero Guarani. Numa próxima oportunidade, pretendo oferecer um novo ensaio sobre o tema, por intermédio de uma análise mais meticulosa e mais aprofundada.

[1] Técnico em Mineração, Licenciado em Geografia pela UFU, Professor de Geografia, Sociologia e Filosofia do Ensino Médio, Coordenador da Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção Uberaba (AGB/Uberaba), Mestre em Educação Ambiental pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia – FACED/UFU.

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