segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

CARNAVAL: Da cultura popular à ausência de identidade



Por Valter Machado da Fonseca
A cada ano que passa, a festa tida como a mais popular do mundo incorpora novos valores. Há várias décadas atrás, o carnaval era motivo e fonte de inspiração de escritores, atores, poetas e compositores, que viam na grande manifestação cultural, o canal para a criação de autênticas obras literárias, musicais e canções, dentre inúmeras outras formas espontâneas de exposição dos valores, que marcam a cultura popular.
Quem não se lembra das festas nos subúrbios, dos morros cariocas, locais de reuniões de cantores, compositores, passistas e demais amantes do samba, raiz da cultura popular. Na época do Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, os dias de carnaval eram comemorados pelos poetas, compositores e boêmios que faziam da cultura popular a fonte de inspiração para a composição de belíssimas canções, marchinhas e sambas, que expressavam as tradições, as raízes e a vida cotidiana de nosso povo.
O samba raiz era cantado nas vozes belíssimas de Dalva de Oliveira, Ataulfo Alves, Erivelton Martins, Jamelão, Roberto Ribeiro, João Nogueira, Pichinguinha, Jacó do Bandolim, Cartola, Emilinha Borba, Dolores Duran, Jacson do Pandeiro, Carmem Miranda, dentre inúmeras outras estrelas, de primeiríssima grandeza de nossa música raiz. Assim o carnaval era uma época de criação e efervescência artística e cultural em quase todas as áreas, que iam desde as canções e marchinhas, até crônicas e poesias.

É importante ainda enfatizar que a festa popular inspirava ainda outras áreas ligadas às artes, como a arquitetura, a pintura e a escultura. Já inspirou importantes obras de Oscar Niemeyer, como o próprio sambódromo da Marquez de Sapucaí e quadros de Tarsila do Amaral. O carnaval chegou a ser tema de debates da “Semana da Arte Moderna”, em São Paulo, na década de 1920.
É interessante lembrar, ainda, que, além das escolas de samba, a festa popular se estendia pelas ruas do centro do Rio e das principais cidades brasileiras e pelas ladeiras das cidades históricas brasileiras, como Salvador, Olinda, Ouro Preto, São João Del Rei, Diamantina, dentre outras. O carnaval se caracterizava, acima de tudo, por ser uma festividade movimentada pela alegria, confraternização e celebração aos valores cultuais do povo brasileiro.
Aos poucos o carnaval foi ganhando notoriedade nacional e internacional. Com isso, foi incorporando outros valores, ocasionados pela invasão de outras culturas, originadas pelo acesso, cada vez maior, de turistas de diversas partes do mundo. Também é necessário ressaltar que as indústrias fonográficas, turísticas e televisivas viram no Carnaval, uma fonte de lucros intermináveis. Assim, a cultura legítima do povo brasileiro, foi sendo substituída pela ganância exorbitante pelo lucro. De fonte de produção cultural e de valores artísticos, o carnaval passou a ser uma mercadoria que alimenta a indústria do turismo e até de setores do narcotráfico.
Hoje, ao observarmos as festividades do carnaval verificamos a enorme distância entre a cultura popular [totalmente ausente nas festividades] e o desfile de modelos e personalidades que banalizaram [por completo] as raízes do nosso samba. Aliás, as fantasias do desfile das escolas de samba são vendidas a peso de ouro para turistas de todas as partes do mundo. Os representantes das comunidades se resumem a umas poucas alas [aliás, as mais pobres] e que, geralmente, vêm nos setores finais da escola, ou seja, a população do subúrbio e dos morros, não tem mais acesso à festa, outrora popular.
Analisando os sambas-enredos das principais escolas do Rio e de São Paulo, percebemos, claramente, a ausência de conteúdo. Os enredos mais significativos são aqueles que buscam nos tempos passados, ainda a fonte de suas melhores inspirações. Por fim, chegamos à conclusão que a alegria, a solidariedade e criatividade dos antigos carnavais, vêm sendo, sistematicamente, substituídas pelo lucro, narcotráfico e violência, que fazem do carnaval da atualidade, uma festa Hollywoodiana e perigosa, na qual as famílias não sabem se vão se divertir ou se não vão mais voltar para suas casas. Assim, do carnaval de hoje se destaca a violência, o luxo e a ostentação, ao passo que dos carnavais antigos só sobraram a nostalgia e a saudade.

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