sexta-feira, 19 de junho de 2009

CRISE NA EDUCAÇÃO: CULPA DE QUEM?


Por Aristóteles Teobaldo Neto


Não basta analisar o problema da Educação superficialmente, quando se atribui a responsabilidade da má qualidade da Educação no despreparo e desqualificação do professor que está na sala de aula. É um discurso muito cômodo e agradável aos principais responsáveis por essa crise no ensino formal: os governantes, ou seja, aqueles que possuem o poder de reverter o sistema responsável pelos descaminhos da Educação.
É preciso mergulhar na raiz do problema, quando chegamos neste nivel de análise percebemos que, de fato, grande parte dos professores estão despreparados, mas a pergunta chave é: Por quê??? Vamos analisar algumas considerações abaixo para tentar responder a esta pergunta.
Um país que não valoriza o principal personagem e agente de formação do cidadão: o professor é um país descomprometido com a Educação. É um país que fere os princípios constitucionais e teóricos que dão as diretrizes de como deve ser trabalhada a formação do ser humano e cidadão.
Poderiam ser citadas várias leis e premissas teóricas de educadores e filósofos que quando comparadas com a realidade evidenciariam a distância entre os discursos/teorias e a prática. Pontuo abaixo os principais problemas vivenciados na prática pela maior parte dos educadores brasileiros:
- Falta de um salário decente
- Falta de condições estruturais adequadas de trabalho (salas de aula super lotadas, falta de equipamentos e laboratórios adequados etc.)
- Falta de um plano de carreira e estímulo à qualificação
- Falta de um apoio psicopedagógico adequado nas escolas
Estes são os principais problemas que fazem parte da realidade da educação básica em nível nacional. Somado a estes problemas, o professor deve lidar com uma diversidade de situações-problemas em sala de aula que reflete a triste realidade de miséria social, onde famílias desestruturadas transferem às escolas a responsabilidade única de formação e transmissão de valores de respeito, ética e moral aos filhos. Os motivos podem ser desde um simples comodismo até mesmo a falta de preparo e estrutura familiar do educando.
O modelo de família agora passa do tradicional modelo patriarcal para formas como de mãe única, vó-mãe, tia-mãe, vizinha-mãe ou Instituição-mãe.
Talvez os pais ou os responsáveis pela Educação dos filhos nem tenham tido as noções básicas de formação do ser humano, sendo isso um grande obstáculo para transmitir estes princípios aos filhos, sendo a escola, na maior parte das vezes, a última chance de este aluno receber estas noções de educação.
Toda essa complexidade e desestrutura social irá refletir em distúrbios psico-emocionais que serão responsáveis por comportamentos os mais variados possíveis (do passivo ao agressivo), destes "filhos do acaso".
As quatro paredes de uma sala de aula é o cenário que congrega as mais distintas realidades e níveis sociais, culturais e de Inteligências Múltiplas (Gardner, 1995), passíveis das mais variadas formas de avaliação e motivações.
E agora, professor? É com você!!!
Será mesmo só o professor responsável pela péssima qualidade do ensino no país?
Pergunto eu: E agora Ministro, Presidente, Governador, Deputados, Senadores, Secretários... e toda espécie de representante do povo!!!
Pedagogos e Psicólogos?
Conselho Tutelar e Ministério Público?
Esta falta de compromisso e descaso total com a Educação explica por que o problema da Educação se constitui num problema ético.
Um dos maiores nomes da Educação brasileira, Paulo Freire, nos deixou um legado não só de obras e teorias mas de conduta moral acerca da necessidade da ética e da moral como meio para a superação desta crise na educação que reflete a crise de valores e de princípios de nossa sociedade.
Apesar de reconhecer a falência do sistema educacional formal ele acredita que a escola é responsável por uma

[...] nova postura ético-valorativa de recolocar valores humanos fundamentais como a justiça, a solidariedade, a honestidade, o reconhecimento da diversidade e da diferença, o respeito à vida e aos direitos humanos básicos, como suportes de convicção democrática (Freire, 1996:9)

Reconhece ainda que

Não há reforma educacional, não há proposta pedagógica sem professores [...] é preciso resgatar a profissionalidade do professor, reconfigurar as características de sua profissão na busca da identidade profissional. É preciso fortalecer as lutas sindicais por salários dignos e condições de trabalho [...] por uma formação de qualidade, de modo que a profissão ganhe mais credibilidade e dignidade [...] (Freire, 1996:9,10)

Com este posicionamento ele assume sua condição de Professor e condena a falsa ideologia da neutralidade científica, tão propalada pelo discurso neoliberal.
Assume o lado dos excluídos e condena a exploração, a corrupção, as injustiças, as transgressões éticas, que em nada contribuem para os problemas da fome, da miséria e do desemprego, tratados como fatalidades pelos neoliberais, mas que na verdade são resultados de toda esta imoralidade.
Milton Santos é outro, entre tantos, que discutem a crise estrutural deste sistema, fala de uma globalização perversa, da ditadura do dinheiro e da informação em que ocorre “um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e políticas do Estado com a ampliação da pobreza” (SANTOS, 2004: 38)
Sua posição quanto à neutralidade se complementa com a de Paulo Freire quanto fala da tirania da informação em que “O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde” (SANTOS, 2004: 39). Isto é uma afronta ao princípio de formação libertadora e emancipatória dos educandos enquanto sujeito e não objeto.
Esta informação manipulada concorre de maneira desleal na formação de opinião e do “cidadão” com o ideal da pedagogia libertadora. Coloca-se com um falso discurso de neutralidade divulgando e deturpando informações como citado pelo respeitado professor Milton Santos acima.
Para ilustrar vale destacar a reportagem de um grande veículo de informação brasileiro denominado “Revista Veja” que publicou no dia 20/08/2008 o “Especial Educação” e se refere desta forma aos professores brasileiros e ao grande Educador Nacional Paulo Freire:

Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa, que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado. (PEREIRA; WEINBERG, 2008)

Apregoa, contraditoriamente, em uma parte da matéria o título “A NEUTRALIDADE COMO DEVER” e faz a seguinte crítica:

[...] Só 18% dos professores da escola pública dizem que seu discurso em sala de aula é politicamente neutro. Setenta e quatro por cento escolhem ‘formar cidadãos’ como missão do professor – apenas 8,4% dizem que é ‘ensinar a matéria’. Os resultados são praticamente idênticos na escola particular (PEREIRA; WEINBERG, 2008)

Este é um típico exemplo de um veículo que apregoa uma neutralidade mas se coloca de forma não só contraditória mas também desrespeitosa.
A matéria se propõe a discutir os problemas da educação no Brasil reconhecendo que o sistema educacional é medíocre, porém atribui, de forma irônica, essa responsabilidade unicamente ao professor afirmando que “90% dos professores se acham bem preparados para dar aula”.
Em momento algum questionaram o fato de o MEC (Ministério da Educação – Brasil) divulgar em 2007 que investe apenas 4,6% do PIB (Produto Interno Bruto) na Educação, enquanto a recomendação da UNESCO é de um investimento mínimo de 8% dadas as dívidas históricas do país neste setor. (O GLOBO, 2009).
O próprio ministro da Educação Fernando Haddad reconhece esse índice abaixo do ideal:

É óbvio que tem que investir em infraestrutura, e isso está sendo feito, é óbvio que a estabilidade macroeconômica é uma condição sem a qual o país não tem horizonte... Mas a educação não é cereja do bolo, é o próprio bolo. (HADDAD apud UOL NEWS, 2006)

A forma imprudente que se colocam as jornalistas Monica Weinberg e Camila Pereira, que divulgam o ideal da Revista Veja, assim como seus equívocos primários de conceito de Educação, são suficientes para dizer contra si próprios. A superficialidade ao não analisar a questão estrutural, demonstram que não possuem o mínimo conhecimento de causa para tratar do assunto, descredencia e convida a relegar tal fato ao esquecimento, porém deve ser ressaltado que tal veículo de informação é produto de consumo de grande parte da classe média e alta brasileira que assumem como verdades as informações transmitidas por tal tipo de mídia, assim como outras congêneres. Obviamente, diante do impacto causado pela matéria uma onda de manifestações de repúdio de professores e especialistas renomados da Educação brasileira vieram à tona.
Tais mídias estão comprometidas com uma chamada ética do mercado neoliberal, do culto ao ‘eu’, da competitividade e das aparências, do individualismo, da propriedade privada e do consumismo.
Santos descreve também as conseqüências do despotismo da produção e consumo inerentes a este sistema neoliberal afirmando que:

Consumismo e competitividade levam ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão. É certo que no Brasil tal oposição é menos sentida, porque em nosso país jamais houve a figura do cidadão. As classes chamadas superiores, incluindo as classes médias, jamais quiseram ser cidadãs; os pobres jamais puderam ser cidadãos. As classes médias formas condicionadas a apenas querer privilégios e não direitos. (SANTOS, 2004: 50)

E agora professor?
Como concorrer com o sistema? Como é difícil ensinar cidadania na cultura do “jeitinho brasileiro”, onde aquele que soube tirar vantagem, driblar a lei e as regras, aquele que soube colar com êxito é o ídolo, o exemplo da esperteza e o modelo a ser alcançado.
Como ensinar cidadania numa cultura que vê o professor como um careta e adota como “nossos heróis” homens e mulheres, confinados em uma casa exibindo seus corpos sarados, banalizando o sexo, promovendo o consumo e divulgando valores que corrompem a ética e a moral, patrocinados pela mídia hipócrita que tem a audácia de pregar “cidadania, a gente vê por aqui”.
Um país que zela pela ética da vida tem a Educação, antes de qualquer coisa,
como prioridade. Uma reforma na Educação, urgente e necessária, começa, antes de qualquer coisa, pela valorização do profissional e isso é reconhecido pelos mais diferentes discursos: na lei 9394/1996 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nos discursos políticos e de autoridades, porém, recorrendo ao mestre: “É necessário diminuir cada vez mais a distância entre o que se faz e o que se fala, de tal maneira que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática” (FREIRE,1996)

Os dados do MEC acerca do percentual do PIB destinado à Educação revelam o nível do compromisso do país para esta questão. A conclusão que chegamos é que, apropriando da premissa de Valter Machado da Fonseca, os discursos e teorias estão tão distantes da prática assim como o Sol está distante da Terra.
É o professor, principalmente do ensino básico, que está no front desta ‘guerra’, amortecendo todos os impactos desta crise ética e moral que reflete a má qualidade da Educação e, por conseqüência, na crise de valores que, por sua vez, explica também a crise nos demais universos da sociedade como cultural e ambiental.
Apesar disso é pela Educação, em suas mais diversas formas, que se deve discutir a superação da crise pela busca de novos paradigmas. O verdadeiro educador é utópico e otimista por natureza. Trata-se, porém, não de uma utopia ingênua, um otimismo falso e esperança vã, mas sustentada por uma visão crítica e real sobre o sistema em crise ao qual está inserida e fundamentada a Educação Nacional.

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo. Paz e Terra, 1996. 9 Ed. (Col. Leitura)

GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Trad. Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

O GLOBO. UNICEF recomenda que o Brasil invista 8% do PIB em educação.Disponível on line em 09/06/2009. Acesso em 17 Jun 2009.

PEREIRA e WEINBERG. Você sabe o que estão ensinando a ele? In Revista Veja. Ed 2074.20 Ago 2008. Disponível on line em . Acesso em 17 jun 2009.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 11ª. Ed. Rio de Janeiro. Record, 2004.

UOL NEWS. Ministro da Educação reconhece que Brasil investe pouco na área. Disponível on line em 20/02/2006. Acesso em 17 Jun 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário