domingo, 24 de maio de 2009

EDUCAÇÃO, EXCLUSÃO E DIFERENÇA.

Foto: Retrato da desigualdade social

EDUCAÇÃO, EXCLUSÃO E DIFERENÇA.[1]

[1] Texto apresentado e publicado nos anais do IV Seminário Nacional “O UNO E O DIVERSO na Educação Escolar”, Promovido pelo Programa de Posgraduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, Realizado na UFU, campus Santa Mônica no ano de 2006.
Por Carmem Lúcia Ferreira


1 – Introdução


É praticamente impossível, nos dias de hoje, debater as temáticas educacionais sem tratar do binômio exclusão/diferenças. Estes termos vêm à tona, cada vez com mais freqüência, na proporção direta em que se aprofundam as desigualdades sociais, culturais, étnicas, religiosas, dentre outras. Estes aspectos se tornam bem mais visíveis, principalmente quando se trabalha com jovens e crianças dos movimentos sociais e/ou de escolas públicas dos bolsões de pobreza das médias e grandes cidades do país.
Este trabalho procurará enfocar estes aspectos, tomando-se por base o ambiente cotidiano, no qual vivem os alunos das periferias pobres das cidades. Procurará, acima de tudo, analisar a discrepância existente entre o modelo educacional que orienta a escola tradicional, quando confrontado com esta realidade, marcada, profundamente, pela exclusão e pela marginalização dos educandos que vivem nestas localidades.
O texto buscará a construção de um processo, que leve à necessária reflexão acerca desta problemática, com o intuito de avançar na construção de um outro modelo educacional que considere a singularidade e diferenças entre os educandos, objetivando perseguir o resgate da identidade e dignidade humana desses alunos.

2 - Contextualizando o debate.

O trabalho educativo com setores marginalizados da sociedade, ou setores populares requer uma reflexão sobre a escola tradicional ou formal, sobre a relação de ensino/aprendizagem e sobre os processos de exclusão/inclusão educacional e social.
Para tanto, é preciso considerar a escola da modernidade como fruto do processo de desenvolvimento da sociedade capitalista, o qual deriva do pensamento positivista. Este pensamento deu origem à racionalidade técnica e científica, originada a partir da idade das luzes, no continente europeu. Então, a escola da modernidade reproduz, fielmente, o discurso homogeneizador decorrente dessa racionalidade.
Neste contexto, a escola vem se reestruturando para atender as demandas da economia de mercado, base do atual modelo de desenvolvimento. Dessa “nova” organização escolar ocorre, simultaneamente, a perda de autonomia do educador, conforme enfatiza MARIANO F. ENGUITA, 1991, p. 23:

A urbanização, a introdução das escolas completas e seriadas, as concentrações escolares, a expansão do setor público, a criação de escolas privadas para setores com poder aquisitivo alto e sua generalização para todos com a política de subvenções, e a expansão do setor público são os fatores que têm feito desaparecer o docente autônomo, inclusive o mestre público semi-autônomo da zona rural.

De fato, a nova ordem estabelecida pelo racionalismo leva a conflitos, cada vez mais evidentes entre as conseqüências deste pensamento e a realidade do cotidiano escolar. O pensamento positivista retoma com vigor o discurso homogeneizador da escola, como forma de legitimar os problemas sociais crônicos dos dias atuais.
ANGEL PÉREZ GOMES (1995, p.59), ilustra bem esta situação:

A realidade social não se deixa encaixar em esquemas preestabelecidos do tipo taxonômico ou processual. A tecnologia educativa não pode continuar a lutar contra as características, cada vez mais evidentes, dos fenômenos práticos: complexidade, incerteza, instabilidade, singularidade e conflitos de valores. (grifos do autor).
É com base nos elementos supra citados, que se deve analisar o trabalho educativo com os setores populares e a educação informal no contexto dos movimentos sociais.

3 - A Prática Educativa em escolas públicas das comunidades carentes.

A prática educativa com os setores populares e/ou com os movimentos sociais pressupõe o entendimento da rede de vivências sociais, como: desemprego, subnutrição, falta de condições de higiene, saúde, saneamento, fome, falta de carinho, amor, dentre outras. Neste caso, o educador deve estar aberto às relações aprender/ensinar e ensinar/aprender, o que significa colocar-se nas condições da realidade do cotidiano dos educandos, fazendo a relação entre as suas vivências sociais, sua realidade concreta com os conteúdos escolares, com os quais se trabalham.
Nesta situação, o cotidiano escolar possui aspectos singulares, conforme define MARIA TERESA ESTEBAN, 2003, (p.200-201):

As questões se avolumam quando situamos a pesquisa no cotidiano da escola em que interagem sujeitos das classes populares. Pois o cotidiano é o tempo/lugar do pequeno, do desprezível, do sem-importância, do irrelevante, do episódico, do fragmento, do repetitivo. E as classes populares também congregam os sujeitos sem importância, pequenos, desprezíveis. Fatos e pessoas que não correspondem às grandes narrativas que constituíram o discurso privilegiado das ciências, tornando-se invisíveis a uma ciência que não incorpora em suas análises o drama e a trama da sociabilidade dos simples, aqueles a quem a vida social imprimiu a aparência de insignificantes e que como insignificantes são tratados. (grifos da autora).

Portanto, esses aspectos levam à reflexão aprofundada sobre a exclusão social/educacional e a procura de caminhos que levem a escola a buscar métodos de inclusão, considerando as particularidades de cada educando, rompendo-se, destarte, com o discurso homogeneizador de coisificação do homem.
Para se obter sucesso nessa prática educativa, torna-se imprescindível repensar a relação ensino/aprendizagem decorrente da escola tradicional, reprodutora do pensamento positivista. O educando deve ser compreendido em suas particularidades, como sendo diferente entre os supostamente iguais. Para tanto, deve-se valorizar os conhecimentos e experiências que ele já traz consigo, fruto de sua rede de vivências sociais, construída no cotidiano da sua realidade. Essas particularidades refletem os aspectos que levam à exclusão, os quais devem ser objetos de estudo dos educadores que se preocupam com a construção de um novo modelo escolar.
ISABEL ALARCÃO, 2001, adverte sobre a relação professor/aluno advinda da escola tradicional:

[...] O poder era apenas do professor porque era ele que detinha o saber, de uma forma absoluta, indiscutível e com autoridade. O aluno era o ignorante, o inculto, o aprendiz que era preciso ensinar, conduzir, disciplinar, controlar. Por isso, a relação do professor com os alunos era naturalmente distante, uma relação de superioridade e, em conseqüência, esperava-se dos alunos uma atitude de docilidade e de obediência, própria do discípulo, seguidor, imitador. O objetivo da aprendizagem visava à aquisição dos conhecimentos transmitidos e à imitação do mestre, como o modelo a seguir. Desse modo, o aluno deixava-se formar, modelar, de acordo com os “moldes” preestabelecidos. (ALARCÃO, 2001, p.98)

Portanto, para se trabalhar a prática educacional nos movimentos dos excluídos, faz-se necessário repensar atitudes e responsabilidades com o intuito de construir um modelo educacional eficaz, que seja capaz de romper com os dogmas e verdades arraigados na escola tradicional.


4 – A escola tradicional e o projeto homogeneizador.

Na grande maioria das vezes, a escola tradicional parte de um projeto que sirva de modelo para o conjunto dos educandos, como se estes fossem desprovidos de identidade própria, de particularidades, de singularidades. Constrói um modelo plural de educação. Considera supostamente iguais, os diferentes.
Os tempos cruéis da chamada “sociedade global” faz entrar em cena, de uma vez por todas, um novo tipo de aluno. Trata-se de alunos “rebeldes”, que não pedem licença, que desafiam a autoridade da escola e do “mestre”. A escola e seu projeto plural não conseguem lidar com esta situação conforme destaca MOREIRA (sd., p.2):

O professor empenha-se no sentido de melhor conhecer quem são esses novos alunos, quem são esses outros, esses “estranhos”, esses diferentes, que entram sem pedir licença, que transgridem regras e normas e que resistem aos mais agudos apelos de acomodação à ordem vigente. Como lidar com eles, como incluí-los? Como lidar com alunos tão distantes da visão idealizada de estudante que a escola sempre cultuou? Como lidar com alunos portadores de necessidades especiais, com problemas na justiça, com um pé na criminalidade, com dificuldades de aprendizagem, com condutas inesperadas e violentas? Como lidar com alunos pobres, negros, favelados, migrantes, homossexuais, membros de famílias “desajustadas”? Como entendê-los melhor? Esses “estranhos” continuam a desestabilizar as iniciativas da escola. (MOREIRA, sd.: 02)

Neste sentido, a escola vem procurando se ajustar para enfrentar os problemas da marginalização de largas camadas de jovens e crianças. Mas este é um problema complexo. Trata-se de um problema que deve remeter a escola a uma série de reflexões sobre seu papel, enquanto formadora de cidadãos e seu papel social. Aí, a escola deve procurar identificar as origens do comportamento desses “estranhos”, que entram na sala de aula sem pedir licença. Esses “estranhos” são frutos das contradições de um modelo que exclui, que marginaliza, que torna a escola seletiva. O problema não está no aluno, mas na estrutura deste modelo de desenvolvimento, que coisifica o homem e a natureza, que afasta o aluno de sua essência, enquanto parte de um todo: a natureza.
O grande desafio da instituição escolar é responder aos anseios dos vários grupos que a compõem. Portanto, a Política Educacional a ser estruturada tem que responder aos dilemas e impasses latentes na nova sociedade que está configurando-se.
Com a junção destes fatores não se pode deixar de lado o questionamento, da crise estrutural global eminente, o desafio da política educacional e ampla, pois, o individuo tem vários pólos de interesse, atingi-lo e trazê-lo para o desenvolvimento de uma proposta que seja comum a todos é o desafio.

A nossa tarefa educacional é, simultaneamente, a tarefa de uma transformação social, ampla e emancipadora. Nenhuma das duas pode ser posta à frente de outra. Elas são inseparáveis. A transformação social emancipadora radical requerida é inconcebível sem uma concreta e ativa contribuição da educação no seu sentido amplo, tal como foi descrito neste texto. E vice-versa: a educação não pode funcionar suspensa no ar. Ela pode e deve ser articulada adequadamente e redefinida constantemente no seu inter-relacionamento dialético com as condições cambiantes e as necessidades da transformação social emancipadora e progressiva em curso. Ou ambas têm êxito e se sustentam, ou fracassam juntas. (MÉSZÁROS, 2005:76-77).

Desta forma, não se pode pensar ou trabalhar um projeto educacional perdendo de vista a construção de um novo paradigma, que leve em consideração o desafio da inclusão, em toda a extensão da palavra.
Para finalizar é importante destacar uma citação de REGINA LEITE GARCIA (2000):

Em sua luta pela construção de uma sociedade mais justa, solidária e igualitária se inclui a luta pelo direito à escola, pois que para construir uma sociedade realmente democrática há que se acompanhar a luta por um projeto político-pedagógico emancipatório, que vá preparando os novos homens e mulheres para juntos construírem uma nova sociedade. Não é qualquer escola que serve a propósitos emancipatórios. Aos que estão engajados num projeto emancipatório não interessa uma escola que conte a história dos vencedores, como se os temporariamente vencidos o tivessem sido por sua própria incapacidade ou por fraqueza. A escola que lhes interessa é uma escola que conte a história do ponto de vista dos invadidos, dizimados, escravizados, explorados, pilhados, assujeitados no perverso processo de colonização, cujos descendentes continuam em sua ação emancipadora. (GARCIA, 2000, p.8-9)

A formulação de Garcia aponta no sentido da construção de um projeto político-pedagógico, que avance no sentido da construção de uma escola que supere a exclusão e as diferenças que tanto marcam a vida dos educandos no ambiente escolar. Para isso, faz-se necessária a ruptura com este modelo compartimentado e fragmentado de currículo oficial, totalmente distante da realidade cotidiana dos educandos.
A escola deve se constituir num local privilegiado, onde se possa debater as desigualdades sociais, os preconceitos, a discriminação. Ela deve se colocar como um canal onde se possa debater sua própria crise, a ligação e os vínculos que a mantém ligada a um projeto de sociedade que privilegie a cultura, as artes, a criatividade e traga de volta a dignidade humana para os educandos. É este o modelo de escola que se deve discutir. É preciso urgentemente descartar o discurso do projeto educacional igualitário e homogeneizador, que considera jovens e crianças como coisas, moldáveis aos anseios, desejos e necessidades de uma elite conservadora, que faz da escola um instrumento ideológico de dominação.


5 - Considerações Finais

Este ensaio discorreu, de forma superficial, sobre o trabalho escolar com educandos ligados aos movimentos sociais e/ou aos setores populares da sociedade capitalista contemporânea. Abordou ainda os problemas decorrentes da orientação positivista característica do modo de produção capitalista. Enfocou aspectos de exclusão sócio-educacional e da relação ensino/aprendizagem decorrentes do atual modelo de desenvolvimento e da concepção de ciência, sobre a qual se edificou a educação tradicional.
Por fim, o texto argüiu sobre as possibilidades de educadores e educandos construírem um novo modelo de relação ensino/aprendizagem, onde se tenha a preocupação central do desenvolvimento da relação dialógica entre professor, aluno e comunidade na qual, a escola está inserida. Neste sentido, é fundamental que os educadores participem de forma efetiva dos problemas do cotidiano dos educandos, ligando-os aos conteúdos ensinados pela escola.
Desta maneira, estar-se-á construindo uma nova forma de ensinar: ensinar aprendendo e aprender ensinando. Estar-se-á dando um passo, fundamental, no sentido da ruptura com a educação formal e da construção de um novo modelo escolar, onde o educando ocupe o lugar de destaque na construção de novos conhecimentos e novos saberes.
Por fim, ele aponta no sentido da escola rediscutir seu papel enquanto formadora de novos sujeitos, os quais possam intervir, de forma efetiva, para a transformação social. Ele aponta para a construção de modelo educacional que valorize as diferenças e a singularidade dos educandos. É necessária a reflexão acerca da relação que a escola estabelece com os educandos e com as comunidades, nos tempos atuais. Partindo dessas reflexões, é possível iniciar a elaboração teórico/prática de um projeto educacional que vá de encontro a um outro modelo de sociedade, que resgate a dignidade do educando, sob a ótica de um novo paradigma, que (re) signifique a essência da existência humana.



6 – Referências

ENGUITA, Mariano F. A Ambigüidade da Docência: entre o profissionalismo e a proletarização. Teoria e Educação, Porto Alegre, n.4, p.41-61, 1991.

ESTEBAN, Maria Teresa. Dilemas para uma pesquisadora com o cotidiano. In: GARCIA, Regina Leite (org). Método: Pesquisa com o cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2003, p.199-212.

GARCIA, R.L. Movimentos Sociais: escola – valores. In: Aprendendo com os Movimentos Sociais. Rio de Janeiro: DP & A, 2000.

HALL, S., A identidade cultural na Pós-Modernidade, Tradução: Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro, 10ºEd., Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

MÉSZÁROS, I., A educação para além do capital, Tradução: Isa Tavares, São Paulo, Boitempo, 2005.

MOREIRA, A.F.B., Identidade, Saberes e Práticas, Texto derivado da pesquisa Currículo, Identidade e Diferença: Embates na escola e na formação docente, CNPQ, (Mimeo), sd.

PÉREZ GOMES, Angel. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo. In: NÓVOA, António. Os professores e a sua formação. Lisboa: Don Quixote, 1992. p.93-114.

TAVARES, J; ALARCÃO, I. Paradigmas de formação e investigação no ensino superior para o terceiro milênio. In: Alarcão, I. (org). Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre: ARTMED, 2001, p.98-114.

VIEIRA, S.L., Política Educacional em tempos de Transição: 1985-1995, Brasília: Plano, 2000.

AS CIÊNCIAS HUMANAS: Entre o engajamento e o compromisso

Por Humberto Aparecido de Oliveira Guido[1]


O argumento desta exposição surgiu com a leitura dos textos dos seminários organizados por Foucault em meados da década de 70 do século passado no Collège de France, os textos foram reunidos sob o título Em defesa da sociedade, que foi propriamente o tema do seminário de 1976. O que chama a atenção do no trabalho de Foucault é o seu interesse devotado á compreensão da sociedade contemporânea e sua rede de poder que se alastra sem direção fixa, semelhante a um polvo, o capitalismo lança seus tentáculos em todas as direções, atuando em conformidade com a visão tridimensional da realidade. O título não deixa de ser ambíguo, pois o sistema capitalista age supostamente em defesa da sociedade, no entanto, a análise atenta revela os mecanismos de poder que são empregados tendo em vista a perpetuação da ordem vigente, aquilo que se apresenta como salvação da sociedade e salvaguarda do indivíduo pode ser entendido como força contrária à autonomia da sociedade, a palavra autonomia é empregada aqui ma acepção utilizada por Kant em seu escrito de intervenção Resposta à pergunta: que é esclarecimento? O artigo de Kant define a autonomia como o produto do processo de emancipação.

Historicamente a sociedade burguesa trouxe em sua bagagem a proposta de emancipação da sociedade, estando ela condicionada à liberdade do indivíduo, os pensadores dos séculos XVII e XVIII mostravam-se esperançosos quanto à realização deste intento, fazia parte das filosofias do período o cuidado dirigido á formação do novo homem. È interessante notar que cem anos antes do início do Século das Luzes, estando o mundo ocidental inserido no processo de mudança estrutural da sociedade, parte dos pensadores manifestavam um certo ceticismo em relação aos novos tempos. Montaigne, um dos representantes das primeiras gerações de burgueses bem sucedidos, não escondia o seu pessimismo quando observava o comportamento social da nova sociedade, em seus Ensaios quando rememorava uma ocasião na qual conheceu três indígenas brasileiros, ele lamentava o contato dos habitantes do novo mundo com as paisagens européias:

Três dentre eles (e como lastimo que se tenham deixado tentar pela novidade e trocado seu clima suave pelo nosso!), ignorando quanto lhes custará de tranqüilidade e felicidade o conhecimento de nossos costumes corrompidos, e quão rápida será a sua perda, que suponho já iniciada, estiveram em Ruen quando ali se encontrava Carlos IX. (Cap. XXXI, p. 105)

Boa parte da literatura da época, e não somente a cética, manifestava desalento quando refletia sobre os novos costumes, além de Montaigne, estão inscritos nessa perspectiva alguns dos escritores que se dedicavam ao gênero da utopia, outros que exercitavam o sarcasmo, nessa relação comparecem Rabelais, Erasmo, Tomás Morus, Étienne de la Boétie, entre outros. Para quem não tem familiaridade com a filosofia e a história, pode parecer que a crítica precoce da ordem recém instalada seja a expressão conservadora daqueles que se agarram aos escombros da velha ordem querendo-a mais do que qualquer vantagem que a nova ordem oferece. Não é essa a questão, pois os autores acima mencionados alimentam grandes esperanças quanto ao futuro, a crítica se dirige ao quadro ainda indeterminado da modernidade que traça velhas linhas por demais percorridas em vão pela sociedade humana.

A tensão manifestada nos escritos do século XVI passou desapercebida na análise de Foucault. Essas críticas por mais insipientes que possam parecer não deixam de ser, contudo, o diagnóstico das idiossincrasias da nova sociedade. A omissão não retira o mérito do trabalho de Foucault, mas certamente poderiam abrir novas possibilidades para a interpretação da complexidade da sociedade burguesa e do seu modo de produção. Aquilo que passa desapercebido da crítica social oferece novos elementos para a análise da atitude radical dos autores do século XVI, que se apresentaram como os primeiros filósofos sociais, apesar da negligência com que são vistos pela posteridade. O descontentamento com o jugo do antigo regime que aparece no ensaio de La Boétie, não é propriamente um manifesto anarquista, no entanto, o escrito do jovem poeta francês, ele morreu com 33 anos, ilustra muito bem o tempo inaugural da modernidade, um momento singular em que a autoridade é duramente criticada e a evocação da liberdade são os motivos da nova filosofia. O vigor das palavras de La Boétie faz parecer que ele viveu o século XVIII, se as palavras a seguir não fossem atribuídas a ele, poderia parecer que se trata de Rousseau, eis as palavras de La Boétie:

É o povo que se escraviza, que se decapita, que, podendo escolher entre ser livre e ser escravo, se decide pela falta de liberdade e prefere o jugo, é ele que aceita o seu mal, que o procura por todos os meios.
Se fosse difícil recuperar a liberdade perdida, eu não insistiria mais; haverá coisa que o homem deva desejar com mais ardor do que o retorno à sua condição natural, deixar, digamos, a condição de alimária e voltar a ser homem?
Mas não é essa ousadia o que eu exijo dele; limito-me a não lhe permitir que ele prefira não sei que segurança a uma vida livre.
Que mais é preciso para possuir a liberdade do que simplesmente desejá-la?

A consolidação da sociedade burguesa e do sistema capitalista corroborou para que as máximas humanistas fossem deixadas à margem da história em favor da nova ciência. O discurso filosófico daquele século não se mostra aos olhos hodiernos como manifestação intransigente do engajamento desses homens, suas palavras fluíam a partir da cosmologia moderna que reservou ao homem o assento privilegiado na disposição dos lugares que os corpos naturais ocupam no espaço, o homem é o ápice da criação, ele reina na Terra e sobre todas as criaturas, a igualdade natural é a grande máxima do pensamento político, embora o século XVI seja também o de Maquiavel, o encarregado de formular as bases da formação do príncipe moderno.

A igualdade natural ficou restrita à teoria do conhecimento, esta disciplina ficou encarregada de justificar o declínio da liberdade da pessoa humana em sociedade, porque a ótica moderna que atestou a liberdade atribuiu ao indivíduo a perda da liberdade em decorrência da sua negligência ao trilhar a estrada do sucesso. Erasmo havia dito que não se nasce homem, se faz homem, esta afirmação tencionou o sentido da liberdade que nos séculos seguintes seria objeto do debate da ciência política. A afirmação de Erasmo não atribuiu tanta ênfase à igualdade formal expressa na abertura do Discurso do método, as palavras de Erasmo querem atestar que a condição humana, a liberdade, é um projeto de vida construído durante a vida, desde a mais tenra idade — Erasmo dizia que o ventre materno é a primeira escola. O período de Erasmo foi marcado pelos progressos da história natural que já estavam bastante adiantadas na refutação da tese criacionista dos livros sagrados, contudo o pensador renascentista insistiu na idéia de que a liberdade não está naquilo que saiu das mãos da natureza, essa liberdade é construída.

Defensores da igualdade natural, os adeptos da teoria do conhecimento atribuíram à matemática a responsabilidade de tornar ato aquilo que existe desde sempre em potência, não em um indivíduo singular, mas na espécie como valor formal, este é um dos paradoxos da modernidade, um tempo em que se afirmou a dignidade do indivíduo, contudo, as afirmações sobre suas possibilidades eram sempre gerais sem considerar as condições sociais díspares em que se encontravam divididos os diversos estamentos sociais. A refutação da tradição foi a abertura que permitiu que se colocasse para fora da esfera educativa todos os conhecimentos que não se adequassem imediatamente ao more geométrico. A equação dos pensadores do século XVII contrastava com a síntese direta dos pensadores do século anterior, para os homens do seiscentos a igualdade é natural, então, somente uma educação voltada para as coisas naturais poderá conservar esta igualdade, a execução dessa tarefa deve deixar de fora todos aqueles conhecimentos que não podem ser reduzidos às grandezas matemáticas, o conhecimento matemático foi sinônimo de conhecimento científico, porque todas as ciências alcançam os seus propósitos aplicando a matemática nas suas atividades de investigação e dominação da natureza. Galileu Galilei foi o pensador que melhor sintetizou a importância da matemática para a expansão do conhecimento na perspectiva do saber é poder:

A filosofia [a sabedoria] encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está escrito em língua matemática, os caracteres são triângulos, circunferências e outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto. (1987, p. 21)

A ignorância dos conhecimentos matemáticos relegava a pessoa humana a viver nas trevas, distantes de todas as idéias luminosas capazes de libertar o espírito humano das suas amarras colocadas pelas tradições antigas e medievais, religiosas e sociais. O aprendizado da matemática era o pré-requisito para a vida virtuosa, tal como fora na antiguidade, porém, a nova sociedade concebia a existência humana como um projeto de vida. Todos os homens nascem dotados de inteligência suficiente para ambicionar aquilo que querem ser, as desigualdades sociais decorrem da maneira como cada um se serve da inteligência, definida pelos modernos como a luz natural. Descartes foi um dos mais ardorosos defensores dessa igualdade natural: o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina o bom senso ou a razão, é naturalmente igual em todos os homens (1987, p. 29), o cultivo da razão contribui para aumentar a luza natural da razão, não para resolver esta ou aquela dificuldade de escola, mas para que em cada circunstância da sua vida, seu entendimento mostre á sua vontade o que é preciso escolher (1999, p. 4).

Descartes conseguiu preservar alguns traços da filosofia humanista, para ele a educação matemática é também educação moral, porque é de se esperar da matemática não apenas a solução de exercícios escolares, esta é a menor aplicação da ciência universal, o ensino da matemática deve contribuir para a formação da faculdade de julgar, conduzindo o aprendiz ao aprimoramento das suas escolhas almejando sempre o bom e o justo para que não somente o indivíduo, mas toda a sociedade humana alcance a emancipação intelectual, tornando-se mais justa e mais fraterna. Ainda no século XVII Descartes professava a sua esperança de um mundo melhor graças às novas descobertas científicas, para ele o novo mundo se tornava real porque as matemáticas eram as ciências mais fáceis e as mais claras de todas, e têm um objeto tal como o exigimos, pois que, salvo inadvertência, mal parece possível a um ser humano nelas enganar-se (1999, p. 9).

A mudança de rota ocorrida entre o século XVI e o os séculos posteriores configura-se como momento de descontinuidade, essa fratura não está em um ano ou uma década específica, não está escondida em um escrito que permanece desconhecido, a descontinuidade não será encontrada nos livros senão nas suas margens, nos saberes que se praticavam e que nem todos foram traduzidos em palavras impressas, a galáxia de Gutenberg ainda estava em expansão neste cenário em ebulição. A descontinuidade é o ponto de fuga que amplia a visão do todo, este ponto da arte renascentista não é um ponto fixo, ele pode estar em qualquer lugar, esse é o motivo da grande dificuldade do estabelecimento das ciências humanas, o seu objeto não é fixo. Foucault conseguiu formular um projeto de pesquisa para as ciências humanas inspirando-se nas páginas de Nietzsche, a genealogia, que foi assim descrita pelo pensador francês:

A genealogia seria, pois, relativamente ao projeto de uma inserção dos saberes na hierarquia do poder próprio da ciência, uma espécie de empreendimento para dessujeitar os saberes históricos e torná-los livres, isto é, capazes de oposição e de luta contra a coerção de um discurso teórico unitário, formal e científico. (2002, p. 15)

Os escritos deixados por Descartes centraram o vaticínio de Erasmo na consciência — na coisa pensante —, o dualismo contribuiu para aumentar a distância entre a igualdade natural e a liberdade individual, pois a secção da pessoa em corpo e intelecto, mantém de alguma maneira — mesmo que na profissão de fé involuntária do bom católico — a liberdade individual no plano da eternidade e sustenta a sujeição do corpo como sublimação das misérias humanas na esperança da redenção da dor, tendo na morte do corpo a glória da alma. O corpo perdeu a sua dignidade, ao contrário do que pode parecer à primeira vista a descoberta do corpo serviu para o seu assujeitamento, como dizia Foucault, quando se fala do corpo a referência é a algo que deve ser disciplinado, colocado no seu lugar.

O final do século XVII serviu para impor outros limites à igualdade natural, no momento em que Locke atestou que a propriedade privada está arrolada entre os dons naturais. A propriedade é o prolongamento do corpo, é ela que ameniza a frustração da morte do corpo da pessoa, porque não desaparece com o passamento da existência individual, a propriedade privada continua fazendo parte da existência do núcleo familiar. Na essência dos tratados sobre o governo civil, Locke deixou implícito que a igualdade natural não é absoluta, alguns nascem proprietários outros não, a conseqüência imediata dessa distinção natural é constituição do corpo político formado pelos proprietários, o cidadão pleno é o proprietário, seja ele o nobre decadente ou o burguês emergente.

A diferença entre Erasmo e Locke evidencia a arbitrariedade da interpretação da natureza, para alguns ela pode inspirar os mais elevados anseios de igualdade e fraternidade, e com a mesma intensidade reforçar os argumentos das desigualdades naturais que determinaram o projeto de vida, neste particular a ontogenia e a filogenia não se implicam, a pessoa fica entregue a própria sorte cumprindo em sua existência o seu fado carregando o seu fardo, não é necessário a aplicação da genealogia para notar a contradição do mundo burguês, o novo modo de vida conservou as desigualdades sociais atribuindo-lhes novo significado, elas não são obra do destino de cada um, mas simplesmente atestam o fracasso individual em um tempo no qual as oportunidades estão abertas a todos, alcançam o sucesso aqueles que — como dizia Maquiavel — sabem aproveitar as oportunidades, não é o príncipe e sim o burguês que passou a encarnar o homem de virtú.

O homem era o beneficiário da natureza que lhe havia concedido a liberdade para fazer da sua vida o seu patrimônio. Uma outra equação matemática passou a ser aplicada nos negócios da burguesia, essa equação só surgiu no final do século XVIII, mas teve em Locke o seu ponto de apoio. O homem burguês deve nortear a sua moral de acordo com o cálculo do prazer, uma equação matemática de autoria de Jeremias Bentham, que fixava como regra para as ações humanas o menor esforço tendo em vista o máximo prazer. Em suma, a sociedade burguesa admitia a igualdade natural, porém, a sociedade civil não é igualitária, ela se compõe de proprietários e não proprietários, somente os primeiros são cidadãos de primeira ordem, conseqüentemente, a equação matemática se aplicava a toda sociedade de maneira distinta: o menor esforço é o do burguês que responde pelo capital industrial, o maior esforço é o da classe trabalhadora que deve ser consumida na linha de produção capitalista, assim nesta equação matemática o prazer do burguês é a mortificação do trabalhador.

A atividade teórica de Foucault procurou reconstruir o quadro da modernidade, em que pese a omissão do pensamento do século XVI. O início da atividade se fez com as arqueologias das instituições sociais introduzidas pela sociedade burguesa: o hospital, o orfanato, o quartel, o cárcere, o manicômio, o colégio. Essas instituições estiveram encarregadas de acomodar os corpos em espaços reclusos — o cuidado para que o doente não dissemine por contágio os males do corpo, a criança desamparada sob os cuidados da caridade para fortalecer o corpo para o serviço braçal, o soldado instruído para o combate contra os inimigos da ordem, os delinqüentes cumprindo suas penas, o louco sendo purgado das suas alucinações, a criança e o adolescente recebendo instrução para a sua futura integração no mundo do trabalho. Estas instituições são órgãos de poder, elas se encontram nas extremidades do sistema e foram até recentemente pouco notadas, porque as ciências humanas devem se encarregar daquilo que está em circulação e não da história das condições de vida daqueles corpos alojados em espaços fechados e isolados da sociedade.

Foucault perverteu a filosofia política ao evidenciar que esta disciplina foi pervertida pelo poder. A máxima moderna do saber é poder condicionou não só a atividade científica, mas também a atividade filosófica que desde o Século das Luzes, compactua com aquela na sujeição dos saberes das pessoas. No lugar das análises gerais das relações de poder e das formas de governo, Foucault propôs a necessidade de se percorrer os meandros do poder, eis a primeira observação metodológica da genealogia:

[...] não se trata de analisar as formas regulamentadas e legitimadas do poder em seu centro, no que podem ser seus mecanismos ou seus efeitos de conjunto. Trata-se de apreender, ao contrário, o poder em suas extremidades, em seus últimos lineamentos, onde ele se torna capilar; ou seja: tomar o poder em suas formas e em suas instituições mais regionais, mais locais [...]. (2002, p. 32)

A filosofia pensada como sistema não se adequou ao método genealógico, lhe escapa a filigrana do poder, porque somente o poder colossal merece a atenção do filósofo e do cientista político. Mesmo a crítica mais contundente ao poder acaba contribuindo para o seu fortalecimento, porque a crítica, ou seja, a filosofia e a ciência almejam o poder, pensado sob o mesmo prisma do sistema, mudando apenas o foco de irradiação do poder. O filósofo e o cientista político podem mudar a perspectiva do olhar, nisto consiste a segunda observação metodológica da genealogia:

[não se trata de] considerá-lo [o poder] do lado de dentro, de não formular a questão [...] que consiste em dizer: quem tem o poder afinal? O que tem na cabeça e o que procura aquele que tem o poder? Mas sim de estudar o poder, ao contrário, do lado em que sua intenção — se intenção houver — está inteiramente concentrada no interior das práticas reais e efetivas; estudar o poder de certo modo, do lado de sua face externa. (2002, p. 33)

O limite da teoria política clássica é o Estado, a máxima iluminista de que o poder emana do povo e em seu nome é exercido se mostra como uma bela expressão retórica, contudo, o Estado não é esta instituição popular, a explicação para isso reside no fato de que o poder é privativo do sistema econômico, tal como ele foi gestado, tal como ele começou a ser aplicado, se perpetuando nos últimos quatrocentos anos. Qualquer análise que não se atenha à dinâmica do poder sta fadada a legitimá-lo. Boa pare da teoria política moderna está apoiada na concepção mecânica do mundo, tendo a natureza como o modelo de regulação do bom funcionamento do corpo político, em que pese o vínculo do capitalismo com as máquinas industriais que servem de metáfora para o corpo e para o mundo, o bom funcionamento do sistema demanda o trabalho das máquinas de guerra, que são dispositivos subliminares que atuam nas extremidades do sistema para lhe garantir a coesão. Diferente das máquinas fixas nas divisões das fábricas, as máquinas de guerra atuam ocupam todos os lugares, ela pode ser associada ao panopticon benthaniano, o olho onipresente do poder, assim:

O poder funciona. O poder se exerce em rede e, nessa rede, não só os indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de serem submetidos a esse poder e também de exercê-lo. Jamais eles são o alvo inerte e consentidor do poder, são sempre seus intermediários. Em outras palavras, o poder transita pelos indivíduos, não se aplica a eles. (2002, p. 35)

O propósito da obra Mil Platôs é a crítica da ciência moderna. Esta entidade é bem mais ampla e complexa do que as representações ingênuas que são veiculadas nas publicações da literatura científica. A crítica da ciência é oportunidade para discutir a sociedade ocidental, especialmente o estágio moderno e também o contemporâneo, que ainda é permeado pelas práticas e valores modernos. Esta crítica é possível quando os partidários das ciências humanas abdicam da teoria da ciência dando lugar à filosofia como instância de discussão dos caminhos para a efetivação do estudo da sociedade tendo em vista a emancipação tanto do indivíduo quanto do coletivo. De início, Mil Platôs deixa nítida a refutação dos dois caminhos intentados a partir dos sistemas dos pensadores do século XIX, seja o cientificismo de Comte, seja a redução economicista da obra de Marx.

Em uma entrevista concedida logo após a publicação de Mil Platôs, Deleuze dizia que nos estudos filosóficos lhe desagradava sobremaneira o idealismo e a dialética. Porém, estas palavras devem ser avaliadas à luz do texto, pois se a crítica se dirige ao pensamento cativo, é preciso admitir também que a reflexão dos autores almeja a releitura, isto é, o resgate do significado das obras de Hegel e Marx libertas do formalismo das interpretações tendenciosas, que geram formulações que se distanciam da originalidade dos autores mencionados. A dialética é a chave de interpretação das ações humanas, ela não pode ser abandonada, contudo, a dialética mecanicista que se prende unicamente à ordem econômica configura-se como estratégia dogmática que pensa a tomada do poder, sem considerar o que é o poder. Aqui fica clara a distinção entre Marx e certa posteridade marxista, para o pensador alemão a tarefa da filosofia e da ciência é a superação da opressão gerada pela divisão do trabalho e pela dominação do capital, somente a abolição do poder de Estado contribuirá para a libertação humana, a nova sociedade surgirá no momento em que todas as etapas preparatórias tiverem sido executadas — a revolução proletária, a ditadura do proletariado ou o socialismo, finalmente a sociedade sem classes —, o que deverá culminar no fim do Estado.

O projeto de Marx deixou clara a sua aversão ao poder de Estado, que em última instância é o poder do capital, cuja eficácia decorre da efetivação da ciência como produção dos mecanismos de consolidação e reprodução do poder de Estado, que tira o seu sustento do consumo da natureza e da força de trabalho. A crítica do poder não foi assimilada pelos ideólogos marxistas, historicamente esses agentes reformadores estiveram mais empenhados na tomada do poder e negligenciaram na efetivação das demais etapas preparatórias da sociedade universal, ou a sociedade sem classes: o comunismo. A compreensão da filosofia de Marx empreendida por Foucault não deixa ser a crítica a um certo tipo de marxismo que compactua com a idéia de poder vigente. A crítica de Foucault evidencia o idealismo do marxismo de Estado, diametralmente oposto ao intento da práxis, ou a força do entendimento capaz de identificar no poder aquilo que reprime, que domina, que aniquila, em uma palavra: desumaniza. Mil Platôs compartilha da crítica de Foucault, para quem o marxismo de gabinete perdeu de vista o pensamento de Marx; as páginas do livro de Deleuze e Guattari parecem ecoar aquilo que Foucault havia escrito:

[...] se o poder é mesmo, em si, emprego e manifestação de uma relação de força, em vez de analisá-lo em termos de cessão, contrato, alienação, em vez mesmo de analisá-lo em termos funcionais de recondução das relações de produção, não se deve analisá-lo antes e acima de tudo em termos de combate, de enfrentamento ou de guerra? (2002, p. 22)

Deleuze e Guattari trabalham as duas hipóteses de Foucault, a primeira: que o poder é o que reprime, a segunda: o poder é a guerra. O capitalismo é a imensa máquina de guerra que não almeja colocar fim à violência, muito pelo contrário, é uma máquina que se alimenta da destruição. A ciência é a estratégia de dominação, o modo operatório da máquina. A ciência trata de sublimar a essência da destruição apresentando-a como a constante transformação da natureza em produção de bens de consumo, tanto os bens materiais quanto os bens simbólicos. A teoria mecânica tenta convencer que a natureza é mutante, que antes mesmo da vida humana inteligente, a própria natureza se encarregava de transformar a si mesma, e o fazia de maneira violenta, portanto, a história geológica tranqüiliza a consciência do capitalista e tenta convencer a opinião pública de que a indústria não faz algo novo, mas apenas se apropria da dinâmica da natureza em benefício da sociedade. É por demais batida esta falácia, o que dispensa comentários e digressões. As duas hipóteses de Foucault se apresentam como programa de pesquisa para as ciências humanas. A primeira tarefa é a refutação dos velhos paradigmas, o idealista e o dialético mecanicista, Mil Platôs devolve à dialética aquilo que lhe havia sido anestesiado, de um lado pelo liberalismo e de outro pela ambição irracional dos movimentos totalitários. O novo paradigma admite sem subterfúgios o saber como poder, e a ciência como atividade política por excelência, esta admissão não dirige o intento para a capitulação frente ao poder, ao contrário insiste na primazia do enfrentamento ao invés da reforma daquilo que reprime, pois não importa sublimar a repressão, é preciso colocar fim aos mecanismos de repressão. Evitar o reformismo é ter consciência de que o Estado é o produto de um desenvolvimento econômico determinável (Mil Platôs, vol. 5, p. 19), portanto, o objetivo do Estado é a sua perpetuação graças aos órgãos de poder criados com esta finalidade. O pensamento reformista apenas intervém no funcionamento desses órgãos sem suprimi-los, porque isso significaria colocar fim a essa forma de poder. A história ilustra os diversos tipos de Estado, todos eles exercendo o poder sobre todas as criaturas:

[...] é preciso dizer que o Estado sempre existiu, e muito perfeito, muito formado. Quanto mais os arqueólogos fazem descobertas, mais descobrem impérios. [...] Mal conseguimos pensar sociedades antigas que não tenham tido contato com Estados imperiais, na periferia ou em zonas mal controladas. Porém, o mais importante é a hipótese inversa: que o Estado ele mesmo sempre esteve em relação com um fora, e não é pensável independentemente dessa relação. (Mil Platôs, vol. 5, p. 23)

É contra o Estado e a sua máquina de guerra que determinados segmentos das ciências humanas dirigem a sua atenção. As novas ciências da sociedade configuram-se como zonas proximais. Os modernos acreditaram que o cérebro humano tem uma estrutura matemática que lhe permite assimilar os conteúdos matemáticos, da mesma maneira é possível pleitear a proximidade entre as ciências do homem e a sociedade. A investigação social está envolvida pelas questões psicanalíticas, econômicas e históricas. Recorrendo a estas grandes áreas do conhecimento humano — e também à bioética, à inteligência artificial, entre outras áreas emergentes — a filosofia se torna capaz de compreender os conceitos que sustentam as novas perspectivas para as ciências humanas, libertando-as das convicções aparentes que são usadas como expressão da verdade. O conceito de desterritorialização parece ser típico de uma filosofia pós-moderna, mas não é, a desterritorialização é obra do capitalismo, que aos olhos comuns parece opor Estados entre si, porém, a oposição é também aparente, porque o Estado nasceu como salvaguarda local para os interesses globais do sistema, de acordo com Deleuze & Guattari:

[...] o capitalismo não é absolutamente territorial, mesmo em seus começos: sua potência de desterritorialização consiste em tomar por objeto nem sequer a terra, mas o ‘trabalho materializado’, a mercadoria. E a propriedade privada não é mais a da terra ou do solo, nem mesmo dos meios de produção enquanto tais, mas a de direitos abstratos convertíveis. [...] Sob todos esses aspectos, dir-se-ia que o capitalismo desenvolve uma ordem econômica que poderia passar sem o Estado. E. com efeito, ao capitalismo não falta o grito de guerra contra o Estado, não somente em nome do mercado, mas em virtude da sua desterritorialização superior. (Mil Platôs, vol. 5, p. 152/153)

A análise de Deleuze e Guattari pretendeu deixar bastante explicita a contradição entre o poder e o saber; aparentemente, o saber sustenta o poder de Estado, contudo, é o capitalismo que sustenta os Estados como instâncias locais de poder, que efetivam o controle social das massas. O saber se submete a esta representação superficial que dá à ciência a aparência de órgão de Estado. Somente o capitalismo se sabe fluído e disperso sem se limitar pelas fronteiras fixas. O estabelecimento do novo caminho para as ciências demanda a refutação do dogmatismo metodológico. O novo método consiste na abordagem da realidade não mais como Mônadas estanques, fechadas e hierarquizadas, para em seu lugar introduzir a idéia de platôs, terrenos que se interligam não pela superfície e sim pelo subterrâneo; os platôs são lugares abertos, tanto acima quanto dos lados e ainda por baixo, são aberturas que permitem conexões em todas as direções, é oportuno lembrar que o livro Mil Platôs surgiu no momento em que a rede mundial de computadores interligados e formando uma infovia ainda não era a realidade efetiva e consolidada para as relações humanas daqueles segmentos que estão integrados ao sistema global. O platô está sempre no meio, nem início nem fim [...] uma região continuada de intensidades, vibrando sobre ela mesma, e que se desenvolve evitando toda orientação sobre um ponto culminante ou em direção a uma finalidade exterior (Mil Platôs, vol. 1, p. 33), assim os platôs crescem e transbordam lançando-se em oposição aos blocos de saber que se cristalizaram nos últimos quatrocentos anos como ciências — isoladas e hierarquizadas — cuja somatória, sempre a partir de um ponto fixo, resultava no discurso unitário da ciência que se contrapõe, domina e reprime os saberes das pessoas.

As coisas parecem paradas, mas não estão, o capitalismo foi capaz de atentar para esta qualidade da realidade, a guardou consigo para perpetuar a falsa idéia de que tudo precisa de um centro de sustentação e que tudo deve estar girando em torno desse centro: primeiro a terra, depois o sol e finalmente a pessoa humana. Contudo a centralidade da pessoa humana se mostrou falaciosa, tal como havia sido no antigo regime. A ciência do homem não incidiu na sua libertação, ao contrário, ela tem servido de instrumento de reprodução da dominação social que atua diretamente pelo capital e indiretamente pela força persuasiva da ciência. O paradigma rizomático consegue identificar a dinâmica do capitalismo, por isso oferece a nova possibilidade de explicação da realidade servindo-se da mesma representação, se o capitalismo é desterritorialização, então, a nova ciência deve oferecer a verdadeira configuração da realidade, que não se apresenta como território, como espaços estriados. O território, os espaços estriados são aqueles que foram submetidos à máquina de guerra, que passaram a ser espaços instituídos pelo aparelho de Estado (Mil Platôs, vol. 5, p. 179).

A ciência tradicional é uma concessão do poder econômico, ela se rebela contra esse poder, mas é impotente para vencê-lo, ela capitula, se mistura a ele no afã de reformá-lo, em seu fracasso a ciência acredita ter humanizado a única instância desumana. Da mesma maneira que a interpretação equivocada de Marx conduz ao oposto do seu pensamento: o totalitarismo em vez da liberdade, também a ciência se deixa agenciar pelo sistema eu é muito mais do que uma modalidade de produção. A crítica científica é a legitimação do sistema, porque esta crítica, tal como a ideologia alemã desprezada por Marx, é assimilada porque se deixa assimilar pelo sistema. A nova ciência, evita as aparências e enfrenta o sistema de poder percorrendo o mesmo espaço liso desterritorializado. Contudo, há uma diferença substancial entre a máquina de guerra do sistema e aquela da nova ciência, a primeira mutila o liso fazendo-o ficar estriado, a segunda almeja tão só percorrer o espaço liso para constatar sua grandeza. Esses espaços são definidos como Platôs que podem ser percorridos sem uma ordem arbitrária, fixa e imutável. O aprendizado de cada lugar, de cada Platô contribui para a formação de uma nova mentalidade.

O método para se conhecer os Platôs é o rizoma, nas palavras de Deuleuze & Guattari, o rizoma é uma antigenealogia (Mil Platôs, vol. 1, p. 32). Aqui se separam os pensadores franceses, a genealogia apenas informa sobre o estado das coisas, ela não é o enfrentamento almejado por Foucault, porque Foucault é um filósofo que inventa com a história uma relação inteiramente diferente que a dos filósofos da história, contudo, a história cerca, delimita, mas não diz o que somos [...]. Em suma, a história é o que nos separa de nós mesmos, e o que devemos transpor e atravessar para nos pensarmos a nós mesmos” (Deleuze, Conversações, p. 119). Para preservar o compromisso social inerente à atividade filosófica é preciso ir além dos autores assimilados, graças aos limites da genealogia de Foucault tornou-se possível para Deleuze & Guattari aventar a urgência da antigenealogia, que pode ser identifica nesta formulação:

Escreve-se a história, mas ela sempre foi escrita do ponto de vista dos sedentários, e em nome de um aparelho unitário de Estado, pelo menos possível, inclusive quando se fala sobre nômades. O que falta é uma Nomadologia, o contrário de uma história. (Mil Platôs, vol. 1, p. 35)

[1] O Professor Humberto Guido é Pós Doutor (PHD) em Filosofia e Professor Titular do Programa de Pósgraduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia – FACED/UFU.

terça-feira, 7 de abril de 2009

ENTRE CIÊNCIAS E ECOSOFIAS: notas de síntese

Por Sandra Rodrigues Braga


Boaventura de Sousa Santos (1988) recorda-nos que o campo teórico em que ainda nos movemos foi criado a partir da revolução científica do século XVI e os primeiros 20 anos do século passado, de modo que é possível dizer que, em termos científicos, o século XX ainda não começou.
Por outro lado, cada vez mais, se coloca em pauta a reflexão sobre os limites do rigor científico e seus laços com os perigos de uma catástrofe ecológica que faz temer pela continuidade do século XXI.
Em Discours sur les Sciences et les Arts, Jean Jacques Rousseau (1750), respondendo às questão “O progresso das ciências e das artes contribuirá para purificar ou para corromper os nossos costumes?”, “Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que partilhamos com os homens e mulheres da nossa sociedade pelo conhecimento científico produzido por poucos e inacessível à maioria?”, “Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática?”, a que Rousseau respondeu “não”. Mais de 250 anos depois, as perguntas de Rousseau continuam válidas e podem ser sintetizadas pela pergunta: “Qual a contribuição positiva ou negativa da ciência para a nossa felicidade?”.
A “racionalidade”, utilitária e funcional, que presidiu a ciência moderna, sob a lógica do determinismo mecanicista, vale menos pela capacidade de compreender o real do que pela capacidade de o dominar e transformar. Como diz Bacon, a ciência fará da pessoa humana “o senhor e o possuidor da natureza”.
Este modelo de racionalidade científica se distingue e se defende de duas formas de conhecimento não científico: o senso comum e as humanidades (história, filologia, direito, literatura, filosofia e teologia). No século XIX, este modelo, porém, se estende às ciências sociais emergentes, globalizando-se. A consagração da ciência moderna nos últimos 400 anos naturalizou a explicação do real, a ponto de não o concebermos senão nos termos por ela propostos (espaço, tempo, matéria e número). Por ser global, a nova racionalidade científica é também totalitária, negando o caráter racional a todas as formas de conhecimento não pautadas pelos seus princípios epistemológicos e suas regras metodológicas. É esta a característica que aparece em Discurso do Método, de Descartes, que, vai das ideias para as coisas e não das coisas para as ideias, estabelecendo a prioridade da metafísica enquanto fundamento último da ciência.
A ciência moderna desconfia das evidências da experiência imediata, que estão na base do conhecimento vulgar, provocando a total separação entre a natureza e o ser humano. A natureza é tão-só extensão e movimento; é passiva, eterna e reversível, mecanismo desmontável e relacionável sob a forma de leis. Conhecê-la é controlá-la. As ideias que presidem à experimentação são matemáticas: o rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do objeto são desqualificadas e, em seu lugar, passam a imperar as quantidades. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante, o que reduz a complexidade do todo. Como afirma Descartes, uma das regras do Método consiste em dividir cada uma das dificuldades em tantas parcelas quanto for possível e requerido para melhor as resolver.
Um conhecimento baseado na formulação de leis pressupõe a ordem e estabilidade do mundo. A consciência filosófica da ciência moderna, que tivera no racionalismo cartesiano e no empirismo baconiano as suas primeiras formulações, veio a condensar-se no positivismo oitocentista. Como afirma Santos (1988), no plano social, esse horizonte cognitivo é o mais adequado aos interesses da burguesia ascendente.
Esta ordem científica, entretanto, vive uma crise de hegemonia, crise, tão profunda quanto irreversível. Para Santos (1988), esta crise é o resultado interativo de uma pluralidade de condições sociais e teóricas, posto que o próprio aprofundamento do conhecimento (Einstein teria sido o primeiro rombo no pilar do paradigma dominante) é o que permitiu ver a fragilidade dos pilares em que se fundava.
Torna-se claro que a totalidade do real não se reduz à soma das partes em que a dividimos para observar e medir, ao mesmo tempo em que a distinção sujeito/objeto perde os seus contornos dicotômicos e assume a forma de um continuum. Por outro lado, se as leis da natureza fundamentam o seu rigor na matemática, as investigações de Gödel demonstram que esse rigor carece ele próprio de fundamento e reconhecem que, como qualquer outra forma de rigor, assenta num critério de seletividade.
A teoria de Prigogine recupera os conceitos aristotélicos de potencialidade e virtualidade que a revolução científica do século XVI atirou ao lixo da história. São questionados os conceitos de lei e causalidade: assume-se que as leis têm um caráter probabilístico, aproximativo e provisório, ao passo que o conceito de causa se adéqua bem a uma ciência que visa a intervir no real e que mede o seu êxito pela intervenção.
Na ciência emergente, o conhecimento só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso comum e que se sustenta que “todo o conhecimento científico-natural é científico-social”. De fato, a distinção dicotômica entre ciências naturais e sociais começa a deixar de ter sentido e utilidade. Os avanços recentes da física e da biologia põem em causa a distinção entre o orgânico e o inorgânico, entre seres vivos e matéria inerte e mesmo entre o humano e o não-humano. As características da autoorganização, do metabolismo e da autorreprodução, antes consideradas específicas dos seres vivos, são hoje atribuídas aos sistemas pré-celulares de moléculas.
Para Santos (1988), “todo o conhecimento é local e total”. Se o conhecimento avançou pela especialização, hoje se reconhecem os males desta parcelização do conhecimento e do reducionismo arbitrário que transporta consigo. Mesmo sendo local, o conhecimento emergente é também total, reconstituindo os projetos cognitivos locais, salientando a sua exemplaridade e transformando-os em pensamento total ilustrado. A ciência do paradigma emergente, sendo analógica, incentiva os conceitos e as teorias desenvolvidos localmente a emigrarem para outros lugares cognitivos, de modo a serem utilizados fora do seu contexto de origem. O conhecimento pós-moderno, sendo total, não é determinístico e, sendo local, não é descritivista. É um conhecimento sobre as condições de possibilidade.
Ao mesmo tempo, afirma Santos (1988), “todo o conhecimento é autoconhecimento”, já que a ciência não descobre, cria, e o ato criativo é protagonizado por cada cientista e pela comunidade científica. O privilegiamento de uma forma de conhecimento assente na previsão e no controle dos fenômenos nada tem de científico, é juízo de valor, autojustificação da ciência enquanto fenômeno central da contemporaneidade. A ciência é, assim, autobiográfica, característica que, no paradigma emergente, é plenamente assumida, já que “todo o conhecimento é autoconhecimento”.
No paradigma emergente, “todo o conhecimento científico visa constituir-se num novo senso comum”. O senso comum, prático e pragmático; reproduz-se colado às experiências de vida de dado grupo social e, assim, se afirma confiável. O senso comum desconfia da opacidade dos objetivos tecnológicos porque desdenha das estruturas que estão para além da consciência. Indisciplinar e ametódico, o senso comum aceita o que existe tal como existe; não ensina, persuade.
Como afirma Santos (1988), duvidamos suficientemente do passado para imaginarmos o futuro, mas vivemos demasiadamente o presente para realizarmos nele o futuro. Se a ciência moderna legou-nos um conhecimento funcional do mundo que alargou as nossas perspectivas de sobrevivência, é certo que as intensas transformações técnico-científicas tiveram como contrapartida desequilíbrios ecológicos que ameaçam a vida no planeta. A crise do paradigma científico dominante colocou em pauta os perigos mais evidentes que ameaçam o meio ambiente natural de nossas sociedades.
Félix Guattari (1990) critica a ecologia ambiental, por se contentar em abordar apenas danos industriais, numa perspectiva tecnocrática. O autor defende uma ecologia generalizada que terá por finalidade descentrar radicalmente as lutas sociais e as maneiras de assumir a própria psique, uma articulação ético-política, que denomina ecosofia, e que transita entre três registros ecológicos: o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana.
Alguns estudos, como o de Michel Serres (1991), propõem a retomada do contrato natural, entendido como uma nova ética que elimine o estado de guerra contra a Natureza, ou a do contrato animal, que se atém ao fato de que cada espécie deve limitar seu crescimento populacional o suficiente para permitir que outras formas de vida coexistam com ela.
O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante neste planeta. Para Guattari (1990), não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e desde que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Essa revolução é concernente, não só às relações de forcas visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo. O trabalho social, regulado por uma economia de lucro e por relações de poder, levou-nos a dramáticos impasses, o que se manifesta nas tutelas econômicas que pesam sobre o Terceiro Mundo. A instauração de imensas zonas de miséria, fome e morte integra o monstruoso sistema de "estimulação" do Capitalismo Mundial Integrado e dá origem às novas problemáticas ecológicas.
As relações da humanidade com o socius, a psique e a "natureza" tendem a se deteriorar cada vez mais, não só em razão de nocividades e poluições objetivas, mas pelo desconhecimento e passividade fatalista dos indivíduos e dos poderes com relação a essas questões em seu conjunto. Catastróficas ou não, as evoluções negativas são aceitas tais como são. Uma responsabilidade e uma gestão mais coletiva se impõem para orientar as ciências e as técnicas em direção a finalidades mais humanas.
Guattari (1990), porém, não pretende um retorno ao trabalho, já que jamais o trabalho humano ou o habitat voltarão a ser o que eram antes das revoluções informáticas, robóticas, genéticas e depois da mundialização dos mercados. A aceleração das velocidades de transporte e de comunicação, a interdependência dos centros urbanos são irreversíveis e temos que admitir que será preciso lidar com esse estado de fato, o que demanda uma recomposição dos objetivos e dos métodos.
As três ecologias se desprendam dos paradigmas pseudocientíficos, implicando uma lógica diferente: enquanto a lógica discursiva limita muito bem seus objetos, a lógica das intensidades, ou a eco-lógica, leva em conta apenas o movimento, a intensidade dos processos evolutivos. Ao sistema, o filósofo contrapõe o processo, o “se por a ser” que diz respeito apenas a certos subconjuntos expressivos que romperam com seus encaixes totalizantes e se puseram a trabalhar por conta própria. Também encontra a eco-lógica operando na vida cotidiana, nos diversos patamares da vida social e na constituição de territórios existenciais.
A ecologia social deve trabalhar na reconstrução das relações humanas em todos os níveis do socius, não perdendo de vista que o poder capitalista se deslocou, se desterritorializou, em extensão - ampliando seu domínio sobre a vida social, econômica e cultural do planeta - e em “intenção” - infiltrando-se no seio dos mais inconscientes estratos subjetivos. Assim, não é possível se opor a ele apenas de fora, por meio de práticas sindicais e políticas tradicionais, mas deve-se encarar seus efeitos no domínio da ecologia mental, da vida cotidiana individual, doméstica, conjugal, de vizinhança, de criação e ética pessoal. A questão, no futuro, será a do cultivo do dissenso e a produção singular de existência.
A eco-lógica não mais impõe “resolver” os contrários, como queriam as dialéticas hegelianas e marxistas. Uma imensa reconstrução das engrenagens sociais é necessária para fazer face aos destroços do capitalismo mundial. Essa reconstrução passa menos por reformas de cúpula, leis e programas burocráticos do que pela promoção de práticas inovadoras, pela disseminação de experiências alternativas, centradas no respeito à singularidade e na produção de subjetividades que vai se articulando ao resto da sociedade. Para além de uma renda mínima garantida para todos - reconhecida como direito -, meios de levar avante empreendimentos individuais e coletivos, no sentido de uma ecologia da ressingularização.
O princípio da ecologia ambiental é o de que tudo é possível tanto as piores catástrofes quanto as evoluções flexíveis. Cada vez mais, os equilíbrios naturais dependerão das intervenções humanas. Um tempo virá em que a aceleração dos “progressos” técnico-científicos, conjugada ao enorme crescimento demográfico, desencadeará uma corrida para dominar a mecanosfera.
Fazer emergir outros mundos dos da pura informação abstrata; engendrar universos de referência e territórios existenciais, em que a singularidade e a finitude sejam levadas em conta pela lógica multivalente das ecologias mentais e pelo princípio da ecologia social, tais são as vias embaralhadas da tripla visão ecológica. Uma ecosofia, ao mesmo tempo prática e especulativa, ético-política e estética, deve, segundo Guattari (1990), substituir as antigas formas de engajamento religioso, político e associativo.
No mínimo por corrermos o risco de não mais haver história se a humanidade não se reassumir radicalmente, trata-se de conjurar o crescimento entrópico da subjetividade dominante, de se reencontrar consistência em novas práticas sociais, estéticas, na relação com o outro, com o estrangeiro e o estranho. Na articulação da subjetividade nascente, do socius mutante, do meio em ponto de reinvenção, está a saída da crise. Concluindo, Guattari (1990) afirma que as três ecologias deveriam ser concebidas como sendo da alçada de uma disciplina comum ético-estética e, ao mesmo tempo, como distintas uma das outras do ponto de vista das praticas que as caracterizam, sendo seus registros da alçada do processo contínuo de ressingularização.
Como afirma Santos (1988), sabemo-nos a caminho mas não exatamente onde estamos na jornada, já que, se todo o conhecimento é autoconhecimento, todo o desconhecimento é autodesconhecimento.

REFERÊNCIAS

GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução de Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas: Papirus,1990.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-moderna. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 2, maio/ago.1988.

DO DISCURSO CARTESIANO ÀS TRÊS ECOLOGIAS

Por Valter Machado da Fonseca


Introdução

Este texto busca construir elementos para uma reflexão, a partir dos aspectos levantados por Guattari em seu texto: “As três ecologias” em contraposição à abordagem cartesiana. Vivenciamos, nos tempos presentes, mais uma crise cíclica do capital, comparável ao “Crash” da bolsa de Nova Yorque de 1929.
Esta crise que abala os pilares fictícios das principais economias capitalistas mundiais vem demonstrar que o modelo adotado, para garantir a reprodução e expansão do capital, não dá conta de sua tarefa. Au contraire, vem reafirmar que para se manter de pé, ele precisa aprofundar a enorme desigualdade social que marca os tempos modernos. Para garantir o sucesso da mais-valia se faz necessário excluir milhões de homens e mulheres do processo produtivo. É preciso aprofundar a exclusão social, a segregação sócio-espacial, o desemprego, a fome e a miséria. Ou seja, para que o capital possa se reproduzir, visando garantir as engrenagens que mantém o movimento das forças produtivas deste modelo econômico, se faz necessário organizar um grupo seleto de aristocratas em detrimento do bem-estar social de largas parcelas da humanidade.
O epicentro da chamada “sociedade Global” localiza-se exatamente sobre a necessidade urgente da expansão e reprodução do capital e, para isso não se medem esforços, nem conseqüências. Observa-se a brutalidade da expansão e reprodução do capital através da fome e da miséria absolutas que se espalham por todo o planeta. No mundo todo são milhões e milhões de desempregados e famintos, um exército de zumbis que compõem a reserva de mão de obra barata e descartável a serviço do capital.
Se por um lado a globalização econômica esconde-se por detrás de um discurso inovador, por outro ela aprofunda as contradições do modo de produção capitalista. Essas contradições expressam-se através do desemprego, da violência urbana, da fome, da miséria, do analfabetismo, das doenças e das condições subumanas da maioria da população do planeta. Então, a quem serve a globalização econômica? Em que ela favorece a grande maioria da população mundial? Para onde vão as riquezas produzidas pela expansão e reprodução do capital? Essas indagações só podem levar a uma única conclusão: a armadilha do discurso da inovação tecnológica e científica expressa na globalização, tenta em vão esconder a outra face da moeda, ou seja, a crise civilizacional, ocidental ou da modernidade.

1. O método positivista/cartesiano mantém vivo o “Gigante dos pés de barro”.

O tecnicismo e os princípios da razão instrumental que norteiam a ciência moderna entram em gritante contradição com as necessidades vitais de grandes contingentes da população mundial. O positivismo de Auguste Comte reforçado com o “Discurso do Método” de René descartes é responsável pela fragmentação do conhecimento, visando reforçar a idéia de progresso e (des)envolvimento das nações.
Que progresso é este que se justifica por meio da destruição do planeta? Que progresso é este que para se sustentar tem que destruir vidas alheias? Que desenvolvimento é esse que leva continentes inteiros à situação de miséria, para sustentar o bem-estar social das nações ditas desenvolvidas? Que desenvolvimento é esse, onde as nações desenvolvidas utilizam as nações pobres como depósito de lixo? Que desenvolvimento é esse, onde as nações para demonstrar supremacia econômica têm que produzir armamentos nucleares, transformando o planeta num depósito de lixo atômico? A humanidade precisa responder, urgentemente a estas questões, se quer, realmente, alcançar o tão almejado “progresso” e o tão cobiçado “desenvolvimento”.
O desenvolvimento das técnicas e da ciência embasado nos princípios comtianos/cartesianos coloca como prioridade da humanidade os anseios de poucos em detrimento das necessidades da maioria. Substitui os projetos sociais vitais para a continuidade da vida humana pela ganância da mais-valia capitalista. Assim a grande maioria da humanidade é transformada em ferramenta da manutenção do mercado de consumo que regula a economia capitalista. Os projetos de transformação social, artísticos, literários, de resgate da dignidade humana são transformados em mercadorias a serviço do capital. Eles são transformados em projetos de consumo de bens produzidos para a expansão do capital. Neste sentido, o capital constrói seu marketing. O marketing do consumismo, com vistas a aquecer os mercados consumidores.
Mas, na crise do capital, que ora presenciamos, estas contradições se tornam mais claras, mais visíveis. A Terceira Revolução Tecnológica, embasada num discurso globalizador, que promete sonhos, bem-estar social, uma vida sem barreiras e sem fronteiras, descortina uma “nova” crise, sem precedentes, uma crise de projetos de homem e de natureza. Cabe às ciências sociais fazer estas reflexões, cabe a elas a busca de solução para o resgate da dignidade humana, visando afastar a humanidade dos trilhos da barbárie. Vejamos o que nos diz Michael Lowy (1978):

É possível a objetividade nas ciências sociais? Trata-se de uma objetividade do mesmo tipo que a das ciências naturais, como afirmam os positivistas? Não é a ciência social necessariamente “engajada”, quer dizer, ligada ao ponto de vista de uma classe social? Como conciliar esse caráter “partidário” com o conhecimento objetivo da verdade? Essas questões se encontram no centro do debate metodológico na Sociologia, na História, na Economia Política, na Antropologia, na ciência política e na epistemologia há mais de um século. [...] a idéia central da corrente positivista é de uma simplicidade evangélica: nas ciências sociais, como nas ciências da natureza, é necessário afastar os preconceitos e as pressuposições, separar os julgamentos de fato dos julgamentos de valor, a ciência da ideologia. A finalidade do sociólogo ou do historiador deve ser a de atingir a mesma neutralidade serena, imparcial e objetiva do físico, do químico e do biólogo. (LOWY, 1978, p.9-10)

No mesmo sentido, István Mészáros (2004, p.301) tece uma importante consideração:

Em parte alguma o mito da neutralidade ideológica – a autoproclamada wertfreiheit, ou neutralidade axiológica, da chamada “ciência social rigorosa” – é mais forte do que no campo da metodologia. Na verdade, encontramos com freqüência a afirmação de que a adoção deste ou daquele quadro metodológico nos isentaria automaticamente de qualquer controvérsia sobre os valores, visto que eles são sistematicamente excluídos (ou adequadamente “postos entre parênteses” ) pelo próprio método cientificamente adequado, poupando-nos assim de complicações desnecessárias e garantindo a objetividade desejada e o resultado incontestável. [...] na verdade, esta abordagem da metodologia tem um forte viés ideológico e conservador. [...] acredita-se que a mera insistência no caráter puramente metodológico dos critérios estabelecidos legitima a afirmação de que a abordagem em questão é neutra porque todos podem adotá-la como o quadro comum de referência do “discurso nacional”. Mas, muito curiosamente, os princípios metodológicos propostos são definidos de tal forma que áreas de grande importância social são excluídas a priori deste discurso nacional por serem “metafísicas”, “ideológicas”, etc.

Ora, os autores acima apontam no sentido da ruptura com os princípios cartesianos e positivistas, como forma de superação da crise provocada pela fragmentação do conhecimento e pelos fundamentos da razão instrumental, rumo à edificação de outra racionalidade, a racionalidade social.
Neste sentido, a ação dos estudiosos do campo das ciências humanas deve ser focada na unificação do conhecimento, na reconquista das raízes filosóficas que pode trazer para a humanidade o livre exercício de pensar, o livre exercício de formular outros projetos de homem e de natureza rumo à construção de outra racionalidade, que traga de volta a dignidade humana, em contrapartida à “lógica” da mais valia. É fundamental reconquistar o direito de a humanidade gerir seu próprio destino por intermédio da escolha de seu projeto de mundo e de vida, garantindo o resgate de sua dignidade.

2. As três ecologias no contexto da crise paradigmática da modernidade.

Em sua obra “As três ecologias”, Félix Guattari lança seu olhar sobre os principais problemas que afligem a sociedade neste limiar do século XXI:

As formações políticas e as instâncias executivas parecem totalmente incapazes de apreender essa problemática no conjunto de suas implicações. Apesar de estarem começando a tomar uma consciência parcial dos perigos mais evidentes que ameaçam o meio ambiente natural de nossas sociedades. Elas geralmente se contentam em abordar o campo dos danos industriais e, ainda assim, unicamente numa perspectiva tecnocrática, ao passo que só uma articulação ético-política – a que chamo ecosofia – entre os três registros ecológicos (o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana) é que poderia esclarecer convenientemente tais questões. [...] O que está em questão é a maneira de viver daqui em diante sobre esses planeta, no contexto da aceleração das mutações técnico-científicas e do considerável crescimento demográfico. (GUATTARI, 1991, p.7)

Nesta formulação, Guattari (1991) destaca três dimensões essenciais à compreensão das principais problemáticas da modernidade. Ele destaca as dimensões ambientais, as relações sociais e a subjetividade humana. Concordando com o autor, a análise destas três dimensões ilumina as reflexões sobre as grandes questões que se abatem sobre a sociedade contemporânea.

2.1 A dimensão ambiental

A dimensão ambiental se manifesta por meio das drásticas consequências que se abatem sobre o ecossistema planetário nos dias atuais. A catástrofe ambiental, em curso, nos dias atuais é herança direta da fragmentação do conhecimento e da razão instrumental que regem o modo de produção capitalista. A Revolução Industrial foi o marco histórico que abriu o flanco para a exploração desordenada dos recursos da natureza.
A partir daí a natureza, sábia por excelência, começou a responder aos ataques contra ela desferidos. Esta resposta veio na forma de grandes catástrofes, como o buraco na camada de ozônio, o derretimento de geleiras e das calotas polares, ocasionado assim, a elevação do nível das águas oceânicas, a elevação do número de enchentes e inundações, os terremotos e maremotos, os furacões e tornados, o aumento do efeito estufa, o aquecimento global, alterações climáticas, desertificação de extensas regiões do planeta, dentre diversos outros fatores.
Guattari desenvolve uma importante formulação a este respeito:

Não haverá verdadeira resposta à crise ecológica a não ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais. Essa revolução deverá concernir, portanto, não só às relações de forças visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo. Uma finalidade do trabalho social regulada de maneira unívoca por uma economia de lucro e por relações de poder só pode, no momento, levar a dramáticos impasses – o que fica manifesto no absurdo das tutelas econômicas que pesam sobre o Terceiro Mundo e conduzem algumas de suas regiões a uma pauperização absoluta e irreversível; fica igualmente evidente em países como a França, onde a proliferação de centrais nucleares faz pesar o risco das possíveis consequências de acidentes do tipo Chernobyl sobre uma grande parte da Europa. Sem falar do caráter quase delirante da estocagem de milhares de ogivas nucleares que, á menor falha técnica ou humana, poderiam mecanicamente conduzir a um extermínio coletivo. (GUATTARI, 1991, p.8-9)

A formulação do autor coloca em evidência a dramaticidade das consequências da degradação ambiental do ecossistema planetário, onde a tecnologia nuclear é apenas um dos aspectos de deterioração do ambiente.

2.2 As relações sociais e a subjetividade humana

Essas duas dimensões, aliadas à questão ambiental, constituem o grande diferencial da obra de Guattari. Elas permitam analisar os fenômenos sociais à luz da complexidade do pensamento humano. Ao introduzir a análise dos aspectos ligados às relações sociais, o autor volta seu olhar para a necessidade do debate acerca da necessidade de se retomar os valores perdidos pela irracionalidade da razão instrumental. Valores como solidariedade, ética, compromisso com a vida em todas suas formas, além dos princípios morais coletivos e individuais perdem, cada dia mais, o sentido diante da “lógica” da mais valia e do consumismo, que permeiam este modelo econômico de produção.
Já a inclusão da dimensão subjetiva do pensamento nos permite retomar o centro nervoso que determina a dinâmica das ciências humanas. Em que se embasa o estudo das ciências sociais, senão na observação das relações sociais e na subjetividade do pensamento humano? A inclusão destas duas categorias de análise dos objetos em ciências sociais diferencia, por completo, o pensamento de Guattari em relação ao de Descartes.
O estudo da subjetividade humana abre o canal para que se possa pensar em uma metodologia própria em ciências humanas, resgatando os princípios do pensamento filosófico na construção de novos projetos tanto de homem quanto de natureza. Ele recoloca em discussão exatamente os elementos descartados por Descartes em sua linguagem puramente matemática de seu “Discurso do Método”. Aqui não se trata de desprezar os métodos até aqui utilizados pelas ciências naturais, mas de retomar categorias fundamentais de análise dos fenômenos sociais.
O pensamento humano, ele próprio é constituído na subjetividade, isto é, nos gostos, nas crenças, nos costumes, na liberdade de criação tanto individual quanto coletiva. O conhecimento, como fruto das experiências e do exercício intelectual do ser humano é totalmente ideológico e não pode se constituir em dogmas, em verdades absolutas, acabadas, definitivas. O conhecimento social, como fruto do pensamento humano, se embasa em projetos de homem e de natureza, conforme os anseios individuais e/ou coletivos e definidos pela sua experiência de vida em sociedade. Assim, na verdade, quando Félix Guattari trata de suas três ecologias ele não faz nada mais que lançar as categorias necessárias para a compreensão deste mundo e para a elaboração de novos projetos de mundo, de vida, de homem e de natureza. É nesta direção que deve caminhar a produção filosófica no campo das ciências humanas, por intermédio da investigação que leve em consideração as idéias, as preferências, os costumes as contradições e as experiências individuais e coletivas do homem, enquanto ser pensante, comunicante e transformador da realidade em que vive. Um agente transformador, dentro de uma perspectiva histórica e social de construção da realidade social.

3 Referências:

LOWY, Michael. Método dialético e teoria política. 4 Ed. Trad. Reginaldo Di Piero. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.__(Coleção Pensamento Crítico; v. 5)

GUATTARI, Félix. As três ecologias. 16 Ed. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas, SP: Papirus, 1991.

MÉSZÁROS Ístvan. O poder da ideologia. Trad. Paulo César Castanheira, São Paulo: Boitempo, 2004.

NEEFICS: Uma Breve Análise Acerca das Temáticas Apresentadas.

Por Carmem Lúcia Ferreira

1. Iniciando a discussão:

Renée Descartes foi o primeiro filósofo sugerido para dar início às discussões e debates do Núcleo de Estudos em Educação, Filosofia e Ciências Sociais do Triângulo Mineiro – NEEFICS, com uma de suas obras mais conhecidas: O Discurso do Método.
Considerando a relevância de sua obra, creio que foi pertinente tê-la como ponto de partida em nossos embates, visto que a mesma foi considerada o marco do pensamento filosófico, em um momento em que se fazia necessário um novo modelo de pensamento, rompendo com o paradigma do poder da Igreja católica sobre a educação, política e economia. Nesta época (séculos XV e XVI) já haviam estudiosos preocupados com um novo modelo de educação, acreditavam que era preciso “uma educação que formasse novas gerações para entender e atuarem no mundo, não apenas para contemplá-lo”.
Embora Descartes sempre reafirmasse sua crença em Deus e na Igreja católica, vale lembrar que sua obra foi escrita no século XVII, quando o período denominado de Santa Inquisição, estava ainda apenas adormecido, pois teve sua queda em meados do século XV e início do século XVI. Acredito que para o grupo o que ainda não ficou muito claro foi a “intencionalidade” com que Descartes escreveu sua obra.

2. Edgar Morin: A Educação Inserida no Contexto da Complexidade do Mundo.

Edgar Morin foi o Segundo filósofo indicado para leitura e discussão do grupo, através de sua obra: Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro, fazendo o contraponto com a leitura de Descartes. É impressionante como foram feitas várias pontuações que realmente contrapõem às idéias do primeiro autor.
Morin é um estudioso da complexidade e da subjetividade humana e trouxe este estudo focado para a educação – a educação do futuro. Em sua obra ele discorre sobre o “erro e a ilusão”, ou seja, o erro que os educadores cometem em passar o conhecimento, sem conhecer o que se está ensinando.
Isto não é uma crítica aos educadores, mas sim ao sistema, ao modo de produção capitalista que estrutura os currículos escolares, visando qualificar a mão de obra para atender a economia de mercado, ou seja, a educação vista como mercadoria.
Num outro momento, o autor defende que:

A educação do futuro, em sua missão de promover a inteligência geral dos indivíduos, deve ao mesmo tempo utilizar os conhecimentos existentes, superar as antinomias decorrentes do progresso nos conhecimentos especializados e identificar a falsa racionalidade. (MORIN, 2001, p. 11)
Neste sentido Morin faz um contraponto direto à obra de Descartes, que defendia a racionalidade técnica.

3. ECOSOFIA: Meio Ambiente/ Relações Sociais/ Subjetividade Humana.

As Três Ecologias de Félix Guattari está inserida no contexto das discussões, estabelecendo relações com os dois autores anteriormente citados. Guattari, em sua obra enfoca as transformações técnico-científicas sofridas pelo nosso planeta nos tempos modernos. Ele faz um paralelo entre o meio ambiente, as relações sociais e a subjetividade humana, daí o título de sua obra: As três Ecologias.
Com o advento da Terceira Revolução Tecnológica, marcado fundamentalmente, pelo avanço da tecnologia de ponta, das telecomunicações, do transporte e da informática, surge a chamada globalização, “diminuindo”, a distância entre os povos. Neste sentido Guattari, assevera:

As relações da humanidade com o socius, com a psique e com a “natureza” tendem, com efeito, a se deteriorar cada vez mais, não só em razão de nocividades e poluições objetivas, mas também pela existência de fato de um desconhecimento e de uma passividade fatalista dos indivíduos e dos poderes com relação a essas questões consideradas em seu conjunto. Catastróficas ou não, as evoluções negativas são aceitas tais como são. O estruturalismo – e depois o pós-modernismo – acostumou-nos a uma visão de mundo que elimina a pertinência das intervenções humanas que se encarnam em políticas e micropolíticas concretas. (GUATTARI, 2001, p.23)

De acordo com a citação do autor nota-se sua preocupação com a humanidade dentro de um contexto, aliando espaço às relações pessoais e ao interior de cada pessoa, o subjetivo humano, enquanto sujeitos da história.
Os elementos apontados e destacados neste texto abrem o grande desafio de direcionar o desenvolvimento técnico-científico para a solução dos grandes e graves problemas que assolam a humanidade.
Caso contrário, várias espécies estarão, indubitavelmente, sujeitas à extinção e dentre elas, o homo sapiens. “A luta é para que a ciência avance de uma tecnocracia que domina o homem, para uma tecnologia a serviço da humanidade”.

4. Considerações parciais

O estudo destas obras, até o presente momento, foi relevante, pois permite uma reflexão sobre a fundamentação do método cartesiano (que embasa as ciências naturais), tendo como contraponto obras que se embasam na ciência da complexidade (Edgar Morin) que realça os aspectos subjetivos do pensamento social, além do enfoque das três dimensões (ambiental, relações sociais e subjetividade humana) defendidas por Félix Guattari e que, no fim das contas, acaba por completar o pensamento de Morin.
Tanto o pensamento de Morin quanto o de Guattari discutem as bases para o desenvolvimento de uma postura crítica ao “Discurso do Método” de Descartes. Assim, o nosso estudo começa a abrir espaços para o debate concreto dos aspectos que pontuam as ciências humanas.

5. Referências

FONSECA, V. M; FERREIRA, C. L. Biopirataria: Uma reflexão sobre o tráfico do patrimônio genético dos biomas brasileiros. Destaque IN. Sacramento (MG): Nº. 64, Julho/Agosto (2005), p.9-11.
GUATTARI, F. As três ecologias. 16 ed. Trad. Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas, SP: Papirus, 1990.
MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; Revisão Técnica de Edgard de Assis Carvalho. 10 ed. São Paulo: Cortez, DF: UNESCO, 2005.

Nasce o discurso do método. Disponível em: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/descartes3.htm, acesso em 07/03/2009

quarta-feira, 1 de abril de 2009

CONTAMINAÇÃO DAS ÁGUAS: Um reflexo das contradições do modelo capitalista de produção



Por Valter Machado da Fonseca

Foto: Governo do Espítito Santo
O sistema capitalista, de um lado, conseguiu imprimir com grande eficiência, o avanço técnico-científico nas áreas de superprodução de bens de consumo, da indústria química e petroquímica, da automação, robótica, nuclear, armamentos, de engenharia genética, de eletro-eletrônicos, de alimentos, etc.; além de imprimir um novo ritmo à indústria da informática, das telecomunicações e dos transportes. Por outro lado, ele promoveu a marginalização de largas camadas da humanidade, o aparecimento de novas doenças, o ressurgimento de doenças medievais, principalmente nos países atrasados; a desnutrição, o acúmulo de todo o tipo de lixo, a destruição de grande parte da vegetação, a contaminação das águas e do solo, a substituição de biomas inteiros, como o Cerrado, por atividades agropecuárias.
As conseqüências do impacto ambiental foram as mais drásticas possíveis. Já no início da Revolução Industrial, com a utilização das máquinas a vapor, iniciou-se um violento ataque à biomassa do planeta, com milhões de km² de florestas virgens sendo devoradas para a manutenção da indústria de base, principalmente a siderurgia.
A degradação das florestas veio acompanhada da poluição das águas por produtos químicos e resíduos, advindos das indústrias. O desenvolvimento tecnológico trouxe novos tipos de poluição. Com a superprodução industrial, surgem outros tipos de poluição que afetam, além das águas superficiais e subterrâneas, também os solos, a atmosfera e os seres vivos, dentre eles o homem. Hoje convivemos com os perigos decorrentes da poluição atmosférica, do acúmulo de lixo doméstico e resíduos industriais, do excesso de lixo tóxico e nuclear, além dos problemas causados pela emissão de gases tóxicos para a atmosfera, como o efeito estufa, as chuvas ácidas e o buraco na camada de ozônio.
A visibilidade real das catástrofes ecológicas, promovidas pelo capitalismo, desviou e descentralizou o eixo de intervenção prática de muitos militantes e ativistas políticos. Eles deixaram de atacar as raízes da problemática ambiental, para cuidar apenas das conseqüências provocadas pela "lógica" desse modo de produção. Com isso, amplos setores dos movimentos populares e sociais se engajaram, definitivamente, nos movimentos ambientalistas.
A eclosão dos movimentos ecológicos e ambientalistas coincide exatamente com a 1ª conferência mundial sobre o meio ambiente realizada em Estocolmo (1972). Vinte anos depois, a conferência das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro - a Rio 92 - tentou refazer um balanço de degradação ambiental no planeta e, consequentemente, dos problemas sociais que afetam a maioria da população global. Tentou-se relacionar desenvolvimento técnico-científico, degradação ambiental e fome. Tal conceito ficou assim elaborado: é aquele que “atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46). Ele vem causando inúmeros debates e polêmicas nos dias de hoje.
O conceito de desenvolvimento sustentável traz consigo toda a "lógica" do modo de produção capitalista, colocando, mais uma vez, o homem acima da natureza e não como integrante dela , carregando-se de uma visão puramente economicista.
É exatamente dentro deste contexto das contradições oriundas do modelo de desenvolvimento capitalista que se situa a problemática da contaminação das águas.
A mídia comumente tenta repassar falsas concepções a respeito desta problemática como: "a água do planeta está ameaçada de extinção" ou, "a população que joga seu lixo nas ruas ou nos lagos, córregos e riachos é responsável pelas catástrofes ou inundações, etc.". Este procedimento, muito comum, da mídia é a simplificação do problema, trata-se de um método ilusório de focalizar o problema em simples casos isolados, tentando jogar o ônus da crise ambiental sobre os ombros da população, tentando julgar o comportamento dos indivíduos desconsiderando o modelo ilógico de desenvolvimento do país.
Em primeiro lugar, a quantidade de água existente no planeta não está diminuindo ou aumentando, ela se mantém constante, pois é regulamentada pelo ciclo da água que determina sua movimentação em seus diversos estados (sólido, líquido e gasoso), em uma dinâmica perfeita que mantém constante a quantidade de água no planeta.


Em segundo lugar, o comportamento dos indivíduos, em um determinado país, está condicionando a aspectos que determinam o modelo de desenvolvimento deste país. A educação é um dos principais fatores a ser considerado para se determinar o grau de desenvolvimento, de qualidade de vida, de bem-estar de um povo. Nos países subdesenvolvidos como o Brasil, a educação é relegada ao segundo plano. Como se pode exigir de um povo totalmente excluído do processo educacional, qualquer compromisso com a preservação ambiental? É um comportamento hipócrita, irresponsável e inconseqüente jogar o ônus de uma crise econômica e política nas costas de uma população cada vez mais à margem do processo produtivo.
Este artigo se propõe apenas a dar uma leve pincelada na essência, na raiz da problemática ambiental e, consequentemente, no problema crônico da contaminação das águas. Pretende-se discutir a ação antrópica como agente de interferência no equilíbrio do ecossistema terrestre. Isto vai influir diretamente na qualidade das águas, ou seja, na diminuição da quantidade de água potável necessária para garantir, minimamente, a qualidade e a própria continuidade da vida no planeta, o que é diferente de afirmar que a quantidade de água existente no planeta está diminuindo.
O problema da contaminação das águas está incluído no conjunto de problemas ambientais, decorrentes do modo de produção capitalista e, portanto, não pode ser analisado separadamente, através de uma visão fragmentada dos problemas ambientais. Ele faz parte de um processo complexo que inclui um amontoado de impactos ambientais sobre os biomas terrestres, decorrentes do modelo de desenvolvimento capitalista.
CARLOS SCCOMAZZON descreve assim a situação da degradação ambiental:

[...] os padrões dominantes de produção e consumo estão causando devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e o fosso entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e são causa de grande sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas, mas não inevitáveis. (SCOMAZZON, 2003)

A definição de Scomazzon aponta os elementos que caracterizam a situação das diferenças sociais e da degradação do modelo capitalista contemporâneo, dentro da "lógica" da globalização econômica. É esse conjunto de fatores políticos, econômicos e sociais que se deve observar para se ter um perfeito entendimento da real situação da degradação ambiental no globo terrestre e especificamente da problemática da contaminação das águas.
Desde o início de sua existência, o homem tem causado impactos sobre o ambiente. Mas, foi a partir do início do desenvolvimento da sociedade capitalista, que estes impactos se intensificaram, extraordinariamente, trazendo conseqüências drásticas para os ecossistemas terrestres, causando um desequilíbrio, sem precedentes, nas forças que mantém esses ecossistemas, colocando em risco a existência das espécies de seres vivos, e dentre elas o próprio homem.
A Revolução Industrial trouxe em seu bojo um ataque violento à biomassa do planeta, promovendo em seu início os primeiros grandes impactos ambientais sobre as forças de equilíbrio dos ecossistemas. A indústria petroquímica aliada à superprodução de bens de consumo trouxe um dos piores tipos de poluição, cujas conseqüências drásticas estão mais visíveis na modernidade. A superprodução de bens de consumo produz milhões de toneladas de lixo doméstico e resíduos industriais, que poluem não somente o ambiente terrestre, como também as águas, sejam elas superficiais ou subterrâneas.
As técnicas avançadas da produção industrial aplicada à agricultura e mais recentemente o desenvolvimento da biotecnologia especialmente a biotecnologia de alimentos, tem produzido uma gigantesca quantidade de insumos agrícolas e agrotóxicos que causam a contaminação dos rios, lagos, solos e aqüíferos subterrâneos. Os produtos químicos aplicados à agricultura contaminam além das águas e dos solos, também os alimentos consumidos pela população trazendo prejuízos irreparáveis à saúde humana.
A emissão de gases tóxicos para a atmosfera, proveniente das indústrias, da queima dos combustíveis fósseis utilizado nos automóveis, a emissão do cloro-fluor-carbono (CFC) etc., provocou a poluição atmosférica, o que deu origem ao aparecimento do buraco na camada de ozônio, interferindo diretamente na saúde humana e das diversas espécies animais.
O fenômeno da urbanização decorrente do surgimento das cidades é um reflexo da reprodução do capital. O espaço urbano é produzido e divido seguindo as desigualdades sociais oriundas da sociedade capitalista caracterizada pela sua divisão em classes sociais, com interesses antagônicos e diametralmente opostos. Portanto a segregação sócio-espacial é uma característica do processo de urbanização produzido pelo modelo capitalista. As diferenças sociais gritantes também são produtos do modo de produção excludente da sociedade capitalista. Portanto, o desenvolvimento da sociedade capitalista não somente é responsável pela degradação ambiental, como também pela degradação política, econômica e social do ser humano.
É neste contexto que ocorre a degradação ambiental, fruto da ação antrópica, onde o impacto atinge não somente a natureza, mas também o próprio homem como ser social que deveria estar em interação com a natureza e como parte integrante dela. Portanto, a problemática da contaminação das águas deve ser enfrentada, considerando o conjunto de fatores degradantes e que é fruto da ação do próprio homem sobre a natureza, no processo perverso de desenvolvimento da sociedade capitalista.


Dentro desta lógica a problemática da educação, da produção do conhecimento científico, assumem uma dimensão gigantesca. Qualquer nação que preze pela conservação dos recursos naturais, pela defesa da qualidade de vida do seu povo e pela própria continuidade da vida no planeta deve focar sua atenção sobre uma tarefa elementar: a construção de uma educação pública e de qualidade em todos os níveis. A educação ambiental que já virou termo da moda faz parte do processo educacional da população do país. Deve estar incluída dentro deste processo e não pode ser tratada separadamente.
A gestão correta e eficiente dos recursos hídricos passa fundamentalmente pela solução dos grandes problemas que afetam a maioria da população, tendo como eixo a educação, o que leva fatalmente ao questionamento do modelo de desenvolvimento do país.

Referências Bibliográficas

-SCOMAZZON, C. Carta da Terra. Disponível em http.www.carthcharter.org/draft/charterpo.htm. Acesso em: 2 de maio 2003.

-COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO (CMMAD). Nosso futuro comum. Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas. 1991.

-ROMANO FILHO, D. Gente Cuidando das Águas. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2002.