terça-feira, 20 de abril de 2010

PREFÁCIO: Entre o Ambiente e as Ciências Humanas

Por Vânia Rúbia de Farias Vlach

Sociedade, Natureza, Ser humano: fenômenos que se desdobram em processos e originam conceitos que entram em contradição uns com os outros, se contrapõem e se complementam na teia da vida no e do planeta Terra. Em “ENTRE O AMBIENTE E AS CIÊNCIAS HUMANAS”, algumas questões centrais da modernidade são objeto de uma reflexão pautada por seu caráter político e geopolítico. Neste prefácio, muito me honra registrar tal caráter, pois a abordagem exposta nas próximas páginas se afasta da tradição de uma suposta neutralidade científica da geografia. Tal a priori nos confinou, durante muito tempo, a uma análise fragmentada do mundo, não obstante honrosas exceções.
Na organização do espaço geográfico, tantas vezes evocado como objeto de estudo desta ciência, os sujeitos eram abstraídos, como se suas motivações, necessidades e seus interesses pudessem ser eliminados. Ou seja, ignorando que o Ser humano só se realiza na dimensão do social. Assim, são as relações de poder entre os homens, divididos em grupos e classes sociais, que explicam a configuração do espaço, em todas as escalas. Em outras palavras, no coração do viver/conviver do Ser humano na Terra (e além dela), a política entra em cena!
Valter Machado da Fonseca e Sandra Rodrigues Braga discutem questões vinculadas ao sócio-ambiental no Brasil e no mundo, e ao urbano, especificamente nas cidades médias brasileiras, sempre atentos aos laços entre o global e o local. Ponderam o significado político e geopolítico da biodiversidade, sobretudo na Amazônia, as várias Amazônias, e no cerrado, e como os projetos do agronegócio, ao se apropriarem dela como mercadoria, degradam tais espaços e a empobrecem. Paralelamente, consideram a complexidade das consequências que sua mercantilização acarreta na dinâmica social, principalmente no cotidiano dos povos da floresta amazônica, do pequeno produtor no cerrado, do trabalhador da cana de açúcar no Triângulo Mineiro e no interior de São Paulo, dos habitantes de cidades médias.
Nesse sentido, o recente avanço da monocultura no Brasil é reavaliado. E o discurso dos biocombustíveis, a “energia limpa” como solução para a crise energética mundial, do “projeto etanol”, assim como a concepção de desenvolvimento sustentável, são criticados adequadamente. Ao abordarem a biotecnologia e a biopirataria, duas faces da natureza mercantilizada, desmistificam a neutralidade da tecnologia. O mesmo ocorre quando enfatizam que os transgênicos demandam a definição de políticas públicas tendo em vista a saúde humana, o que deve ser precedido pela democratização da informação à população em geral (consumidores, pesquisadores etc.), e exige forte mobilização popular. A água, hoje caracterizada enquanto commodity, por conseguinte, não mais como parte inalienável das condições que permeiam o direito à vida, é analisada como fator geopolítico decisivo para a conquista da paz no Oriente Médio, e como responsável pela integração do continente americano, na proposta “Panamérica”. Observa-se que, nas cidades, a escassez de água agrava a precariedade da vida dos mais desfavorecidos. Ainda nas cidades, o lixo é problematizado na ótica de um consumismo desenfreado por parte dos mais privilegiados, o que acarreta sequelas para todos os moradores.
Não lhes escapa a separação entre a pesquisa científica e os saberes populares, entre o meio científico e os gestores ambientais. Por isso, defendem o resgate dos saberes populares, e a educação. Seu objetivo, que pode ser sintetizado na formação da cidadania, reclama a inclusão da dimensão ambiental no seu fazer cotidiano, uma prática política por excelência. Em relação à ciência, reivindicam seu compromisso com a dignidade do Ser humano.
Explicitando o significado geopolítico dos conflitos e rivalidades de poder que se manifestam no território, no capítulo final, Sandra Rodrigues Braga apresenta uma contribuição fundamental para uma análise do urbano sob esta perspectiva, apoiada em sólida fundamentação teórica. Dessa maneira, reexamina a denominada geopolítica clássica, cujas diretrizes originais explicam porque, até hoje, no meio acadêmico, tende-se a desconsiderar a possibilidade de se avançar além do que seus estudiosos propuseram há pouco mais de um século. Ou seja, a geopolítica também pode contribuir para a disseminação da democracia na sociedade contemporânea. E no urbano, dado que a organização de seu território é objeto da mobilização dos vários sujeitos, muitos dos quais privados de moradia, um direito elementar do Ser humano. Que não se dissocia dos demais direitos à cidade: educação, saúde, ambiente, participação na vida pública etc.
Enfim, os autores convidam à leitura, por meio de indagações, propostas, formulações teórico-metodológicas, em aberto e devidamente contextualizadas, outro destaque deste livro. E instigam ao debate, vital para a democracia, no Brasil e no mundo.
Vânia Vlach
São Paulo, março de 2010!
Vânia Vlach é Graduada e Mestre em Geografia pela Universidade de São Paulo. Doutora em Geopolítica - Université Paris VIII. Docente, do Programa de Posgraduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. Autora de diversos livros na área de ensino de Geografia. Assessora ad hoc sem vínculo da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (2003). Bolsista Produtividade em Pesquisa-PQ/Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico/CNPq

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