quarta-feira, 25 de março de 2009

A CRISE DA GEOGRAFIA NO CONTEXTO DA GRANDE CRISE DA MODERNIDADE


Por Valter Machado da Fonseca


Introdução

Vive-se um momento de crise profunda da ciência e das técnicas, fruto da grande crise paradigmática que permeia os tempos modernos. No interior da crise da modernidade, a Geografia debate sua própria crise.
O aumento da velocidade da informação, dos transportes, das telecomunicações e da rede mundial de computadores “diminui” as distâncias entre os povos. A relação espaço/tempo configura-se de acordo com a lógica da velocidade. Estes são aspectos que caracterizam os tempos modernos, que marcam a “derrubada” das fronteiras econômicas entre os diversos povos. A “sociedade global”, por meio da tecnologia de última geração descortina também a crise, sem precedentes, que marca os tempos modernos. Estes são alguns aspectos que se pretende levantar para o entendimento do lugar da escola e da Geografia no atual modelo de desenvolvimento econômico.
Trata-se de uma sociedade chamada de “altamente informatizada”, mas que, no fim das contas, desinforma, que no fim das contas atomiza as pessoas como partículas insignificantes dentro do colossal universo da degradação ambiental e da degradação econômica, política e cultural do ser humano. Trata-se de uma sociedade que coloca o homem na luta contra sua própria espécie e, em última instância o coloca na luta pela derrocada de todo o sistema planetário, para, enfim glorificar e fazer triunfar a mais valia como mola mestra do modo de produção capitalista.
É dentro deste contexto que se situa a sociedade da modernidade. É neste contexto, onde o homem coisificado e atomizado luta, desesperadamente, em busca de um novo paradigma, o qual resgate a sua dignidade e dê a ele nova significação e uma razão real para sua existência. É, ainda, neste contexto que se degladeiam a forças oriundas do racionalismo/positivismo e as forças oriundas da gestação de um novo paradigma que resignifique a existência humana.
A falsa justificativa do atual modelo de desenvolvimento cria um imenso abismo que separa a concentração da riqueza material no hemisfério norte da concentração da pobreza no hemisfério sul. Tal justificativa, em nome do progresso técnico e científico, na chamada sociedade globalizada aniquila a cultura, as etnias, os costumes e as tradições dos povos, criando, assim, um conjunto de populações totalmente desprovidas de identidade cultural.
O epicentro da chamada “sociedade Global” localiza-se exatamente sobre a necessidade urgente da expansão e reprodução do capital e, para isso não se medem esforços, nem conseqüências. Observa-se a brutalidade da expansão e reprodução do capital através da fome e da miséria absolutas que se espalham por todo o planeta. No mundo todo são milhões e milhões de desempregados e famintos, um exército de zumbis que compõem a reserva de mão de obra barata e descartável a serviço do capital.
A globalização econômica se caracteriza pela produção urbano-industrial, pela mobilização do capital especulativo, volátil, que gira o planeta em busca de mão de obra barata e de condições propícias para sua reprodução e, sobretudo, pelas inovações decorrentes da Terceira Revolução Tecnológica, tais como: o aumento da velocidade do sistema de informações, por meio dos avanços das telecomunicações, dos transportes e da rede mundial de computadores (Internet) via desenvolvimento espetacular da informática. Além disso, é fundamental ressaltar o avanço extraordinário da biotecnologia, devido ao desenvolvimento das pesquisas no campo da engenharia genética e à expansão do capital em direção ao campo, o que se dá por intermédio dos grandes conglomerados internacionais e transnacionais.
De fato, se por um lado a globalização econômica esconde-se por detrás de um discurso inovador, por outro ela aprofunda as contradições do modo de produção capitalista. Essas contradições expressam-se através do desemprego, da violência urbana, da fome, da miséria, do analfabetismo, das doenças e das condições subumanas da maioria da população do planeta. Então, a quem serve a globalização econômica? Em que ela favorece a grande maioria da população mundial? Para onde vão as riquezas produzidas pela expansão e reprodução do capital? Essas indagações só podem levar a uma única conclusão: a armadilha do discurso da inovação tecnológica e científica expressa na globalização, tenta em vão esconder a outra face da moeda, ou seja, a crise civilizacional, ocidental ou da modernidade.

1 – A QUEM SERVE A CIÊNCIA, AFINAL?
Os centros de pesquisas, a academia e a produção do conhecimento científico estão tão distantes dos problemas e da realidade do cotidiano das populações como o sol está distante da terra. Eis aí o epicentro da discussão sobre os grandes problemas que assolam a humanidade nos tempos modernos. Para que e a quem serve a ciência afinal? A escola e a academia voltam a reafirmar, com grande ênfase, sua tendência a legitimar os interesses dos detentores do poder político e econômico e, assim, reproduz o discurso homogeneizador de uma escola igualitária, sem arestas e que desconsidera o grande abismo da desigualdade social, os preconceitos e as diferenças entre os educandos. Este modelo de educação visa manter a escola como mercadoria para atender às demandas do mercado consumidor capitalista. Neste contexto, os alunos não passam de meros reprodutores do discurso dominante, o que aumenta, ainda mais, a distância entre a escola e a população. Os educadores/educandos seguem a receita positivista da coisificação do homem e da natureza diante da lógica nefasta do modelo capitalista de desenvolvimento.
Desta forma, é preciso analisar a produção do conhecimento científico pontuando os elementos que podem fazer sua aproximação com o cotidiano das populações. Esta prática requer do educador (a) uma nova forma de enxergar a ciência e uma nova postura diante dela. Isto significa dizer que os educadores (as) devem se permitir e se dignar a descer de seu palanque para dialogar com seus educandos. É preciso construir a relação dialógica educador/educando/sociedade.
Os idealizadores do pensamento neoliberal (que nada mais é que o velho liberalismo de roupa nova) caracterizam a produção do conhecimento científico, a academia, a escola como desprovidos de ideologia, neutros, uma ciência isenta de intenções. Esse discurso tem por objetivo legitimar a exploração capitalista e direcionar a produção do conhecimento para atender os desejos e anseios das elites dominantes.
Para se compreender a essência da produção do conhecimento e o desenvolvimento das ciências, é preciso, antes de tudo, analisar o discurso que permeia a construção do conhecimento, o jogo de interesses, as situações conflitivas, as contradições e as diputas embutidas nesta construção. É preciso desconstruir a falácia da isenção ideológica, com que tentam encobrir o desenvolvimento das Técnicas e das Ciências.
Para contextualizar o debate, em primeiro lugar é preciso voltar a algumas indagações, de maneira que se possa iniciar a discussão, exatamente, pelo princípio: O que é o conhecimento? Por quem ele foi produzido? Para que ele foi produzido? O que ele touxe de benefício para a humanidade? O conhecimento significa progresso ou retrocesso?
Em primeiro lugar é preciso tentar desmistificar a construção do conhecimento, é preciso desconstruir o discurso positivista, que isenta sua produção de qualquer intenção, de quaisquer interesses. Não, o conhecimento é impregnado de intenções, carregado de conflitos, de interesses, de ideologias. Sua produção e/ou reprodução reflete as tendências, interesses, ideologias presentes em cada preríodo da história das “civilizações”. Desta maneira, é preciso despir a produção do conhecimento, das técnicas e das ciências de toda a hipocrisia que permeia o discurso dominante de isenção em nome de métodos e critérios científicos.
Em segundo lugar, é preciso identificar o conhecimento como algo criado, produzido e reproduzido durante milhares de anos e, como fruto da produção humana é passível de erros, equívocos e acertos. Como fruto da produção humana não são eternos, acabados, definitivos e, portanto, não podem se constituir em verdades absolutas. O conhecimento é, pois, algo construído segundo as experiências e anseios humanos e, desta forma encharcado de intenções, algumas delas as piores possíveis.
O conhecimento considerado válido é aquele que serve para legitimar a lógica do chamado “progresso”, arduamente defendido pelas elites, em cada período da história da humanidade. Desta forma, o conhecimento produzido pela maioria das populações é considerado inválido, inútil, descartável, contrário às idéias de progresso consagrada através dos tempos pelos dominantes.
A idéia de progresso aparece aí acompanhada do discurso de isenção da ciência e das técnicas, as quais são colocadas em benefício da humanidade. Mas, a qual humanidade esse discurso se refere? Certamente, esta humanidade é representada pelos tecnocratas que ditam o seu destino, os mesmos que, através dos processos de reprodução do capitlal, alijam do processo produtivo milhões e milhões de homens e mulhres, os mesmos que aniquilam a cultura, as tradições, as expressões artísticas e os costumes dos povos. Enfim, os mesmos que levam à miséria continentes inteiros, e espalham o terror por meio da fome. Este é o “progresso” da modernidade. E é para garantir esse “progresso” que o conhecimento é produzido, é para garantir esse progresso que se prega uma ciência isenta de intenções, que seja capaz de garantir o bem estar da humanidade. Esta é a base do racionalismo que sustenta a sociedade capitalista da modernidade.
Hoje, além do discurso da neutralidade científica, a superestrutura econômica da modernidade apropria-se do discurso dos dominados, de suas reivindicações históricas para justificar a exploração inesgotável daqueles que produzem a riqueza material que mantém viva esta exploração. Esta apropriação vem na fórmula de uma educação igualitária, sem arestas, com igualdade de oportunidades, desconsiderando o grande abismo da desigualdade social, considerando supostamente iguais os diferentes.
E, nesta direção grande parcela da comunidade científica perpetua o discuso positivista, falando em nome da racionalidade do racionalismo. A defesa da pretensa neutralidade científica acaba por solidificar, cada dia mais, os alicerces da “lógica” positivista, perpetuando, assim, a exploração do homem pelo próprio homem. Para parcela significativa de cientistas, tudo que foge à explicação “lógica” das ciências naturais e de seus métodos e critérios, não serve para nada, pois, passa por fora do “discurso”
[1] da ciência, tudo precisa ser explicado segundo enunciados, leis e teorias lógicas, portanto, a subjetividade humana e suas necessidades não possuem validade científica.
Então, a ciência nos dias atuais se confronta com dois modelos diferenciados: há os que defendem a neutralidade da produção do conhecimento científico, e que no fim das contas fazem o discurso da manutenção do status quo, ou seja da continuidade do modelo positivista e, há os que se rebelam contra esta ordem estabelecida, procurando formular novas questões e responder antigas indagações, tendo como objetivo a construção de um novo paradigma, por meio da ruptura com a irracionalidade do racionalismo.
2 - A CRISE DA GEOGRAFIA NO INTERIOR DA CRISE DA MODERNIDADE
Os tempos modernos descortinam a grande crise civilizacional: a crise de projetos de homem e de natureza. E, no interior das crises civilacional, das técnicas e das ciências, também a Geografia debate sua própria crise. Trata-se de uma crise que se agudiza, de forma cada vez mais evidente. A Geografia, a todo momento, perde seu objeto de estudo, devido à sua crise interior, intestinal. Enquanto a grande crise paradigmática dos tempos modernos exige soluções para sua superação, a geografia se debate fragmentando seu próprio objeto de estudo, por intermédio de discussões infrutíferas sobre dois possíveis campos de investigação: a “Geografia Física” e a “Geografia humana”, as “duas Geografias”.
Os investigadores do pensamento geográfico são incapazes de perceber, compreender e apreender a ciência como um todo. São incapazes de associar a ação humana à paisagem, ao relevo, à vegetação, ao solo, enfim acabam por considerar o homem como sujeito passivo, sem uma perspectiva histórica e social. Acabam por negar a capacidade humana de transformação, de ação sobre o ambiente, acabam por se adptar à miopia ocular, ao perceber o homem como um ser estático, imutável, incapaz de interagir com o ambiente em que vive, uma paisagem morta. Nesta perspectiva a ciência geográfica perde o sentido, sua razão de ser.
Isto, sem considerar aquela parcela de “estudiosos” que acaba sucumbindo perante o discurso liberal-conservador e, dessa forma, passam a reproduzir tais discursos, mercantilizando o saber geográfico, colocando-o a serviço da expansão e reprodução do capital. As fragmentações do campo da geogafia sucumbem uma a uma diante da irracionalidade do desenvolvimento do atual modelo econômico que rege a sociedade moderna. As relações de trabalho no campo, o braço estendido do capital sobre o espaço agrário, acabam com a dicotomia cidade-campo, deixando desorientados os estudiosos da chamada Geografia Agrária. Do mesmo modo, a globalização econômica dizima a cultura os costumes as tradições dos povos, por meio do etnocentrismo, desnorteando também os estudiosos da denominda Geografia Cultural. Um a um os vários fragmentos desconexos do campo da Geografia tombam como peças de dominó, diante da lógica nefasta da reprodução e expansão do capital. Aí colocam-se as perguntas: Quais os objetos de estudo da Geografia? Como fica a reorientação do pensamento geográfico diante da nova relação espaço/tempo? Como a Geografia percebe a ação antrópica no ambiente? Como deve se posicionar a Geografia, diante da crise de paradigma da modernidade? Como aproximar a Geografia do cotidiano das populações? Qual a reflexão epistemológica da Geografia diante da relação sociedade-natureza nos dias de hoje?
É necessário procurar, urgentemente, as resposta a essas indagações. E, para isso, a Geografia precisa assumir nova postura diante dos graves problemas que assolam a humanidade. Ela precisa assumir nova postura diante do cotidiano da sala de aula, aproximando, concretamente, a academia dos problemas reais de educadores (as) e educandos (as). É preciso construir uma nova Geografia, não fragmentada, solidária, transformadora, militante, uma geografia que saia “de cima do muro”, que assuma uma postura de rebeldia perante a ordem econômica estabelecida.
A denominada “Geografia Crítica” deu importantes passos no sentido de superação teórica dos velhos métodos e concepções estabelecidos pela Geografia Tradicional. Porém, estes avanços ficaram quase que somente na teoria ou nos debates de congressos e acadêmicos, não obtiveram repercussão no trabalho didático em sala de aula. Por que eles não se traduziram em resultados práticos na sala de aula? Por que não se observa a construção de reflexões críticas ou de mudanças comportamentais dos educandos (as) do Ensino Fundamental e Médio? Estas perguntas precisam ser respondidas não pelos educandos (as), mas pelos pesquisadores (as) e educadores (as).

3 - A REFORMA EDUCACIONAL E O ENSINO DE GEOGRAFIA E HISTÓRIA
A tão propalada Reforma Educacional faz parte de um pacote de reformas que faz parte dos planos neoliberais. O eixo central desses planos consiste na denominada política do Estado Mínimo, isto é, os diversos Estados Nacionais, embasados num discurso de contenção de gastos e ou “Enxugamento da máquina do Estado”, repassam para a iniciativa privada setores que antes eram de sua responsabilidade. Assistiu-se, com mais evidência, a execução destes planos nos dois mandatos FHC e que têm continuidade agora no governo Lula da Silva.
Como exemplos destacam as privatizações no sistema financeiro estatal (privatização de vários bancos dos diversos Estados da Federação), nas empresas estatais (Vale do Rio Doce, Usiminas, Telebrás, a Petrobras, que vem sendo vendida em pequenas fatias, dentre várias outras). Este sucateamento do patrimônio do povo brasileiro atingiu, em cheio, os setores da saúde e da educação.
A ideologia neoliberal propôs e executou cortes drásticos na educação, congelando os salários dos professores, por anos a fio, além de diminuir, significativamente os recursos dedicados a ela. Assim, com um discurso em nome da qualidade do ensino, a reforma educacional vem privatizando e sucateando o ensino, entregando centros de pesquisas importantes para a iniciativa privada, principalmente para os grandes grupos transnacionais. A pesquisa científica perde, de uma vez por todas, seu papel de produzir tecnologias voltadas para o bem-estar da humanidade, em detrimento dos interesses da iniciativa privada.
O ensino de Geografia e História vem sendo atingido em cheio, com a diminuição das verbas para pesquisas, baixo salários dos professores, inexistência de equipamentos e recursos para laboratórios, falta de apoio para trabalhos de campo. Outra questão totalmente esquecida é um programa sério de formação continuada de professores, os quais, sem a devida formação, têm que trabalhar conforme as novas propostas da legislação ambiental, como os Parâmetros Curriculares Nacionais. Então, apesar dos debates acadêmicos. Os professores que militam na educação de base têm que se contentar com os velhos e arcaicos métodos tradicionais de ensino e o mesmo livro didático. A prática do ensino de Geografia tem que repensada no âmbito de toda a comunidade escolar, cavando uma trincheira no interior da escola, de resistência ao projeto neoliberal. A luta é para que a ciência avance de uma tecnocracia que domina o homem, para uma tecnologia a serviço da humanidade.

[1] Grifo do autor: aqui quer se destacar a ideologia contida e oculta na suposta neutralidade do método científico.

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