segunda-feira, 9 de março de 2009

A Escola e a Crise da Modernidade




Por Valter Machado da Fonseca



A educação atual está pautada na fragmentação dos saberes, representada pela disciplinarização resultado da visão positivista/cartesiana, que se iniciou no século XIX, com a formação das universidades modernas e desenvolveu-se com o impulso da pesquisa científica no século XX.
Neste início de século há grandes distorções sociais, o homem depara-se com dificuldades que exige resoluções, tais quais a exclusão social, a marginalização dos jovens, a violência urbana, a degradação ambiental, etc. A escola como reflexo dessa sociedade igualmente enfrenta muitos problemas, tais como o fracasso escolar, a evasão e a violência nas escolas.


Vivenciamos momentos de ruptura do “velho” paradigma, descortinando o novo, sem termos ainda edificado este novo, assim presenciamos um processo de crise na educação. Silvio Galo, apud Alves e Garcia (2000, p.19) afirma que a crise na educação é multifacetada interroga qual seria o papel da escola em nossos dias, seria instruir ou educar? Respondendo a essas perguntas afirma que: “Educação e instrução não se excluem, mas se complementam, ou melhor, a educação abarca a própria instrução e completa, formando o indivíduo intelectual e socialmente, duas realidades na verdade indissociáveis”. Entretanto a maneira como ocorre, o processo ensino - aprendizagem está voltado para a aquisição de conhecimentos, ignorando as diferenças culturais, os saberes trazidos pelos alunos, sendo a escola uma mera reprodutora das desigualdades sociais, do desrespeito às diferenças, excluindo aqueles que já são marginalizados pelo sistema neoliberal. A disciplinarização dos saberes oculta igualmente uma relação de poder. Para Galo apud Alves; Garcia (2000, p.19):

A educação sempre esteve permeada pelos mecanismos de controle. E a disciplinarização possibilita esse controle sobre o aprendizado (o que, quando e como o aluno aprende) e também um controle sobre o próprio aluno. A disciplina também está relacionada ao comportamento não apenas à aprendizagem. Disciplinar o aluno é também não apenas fazer com que ele perceba seu lugar social. A disposição cartográfica de uma sala de aula, seja ela qual for, é sempre uma disposição estratégica para que o professor possa dominar os alunos, pois nesta concepção de escola o aprendizado só pode acontecer sob domínio.

A escola dá ênfase ao saber e a cultura definidos pelas classes dirigentes, ignorando os saberes e as culturas populares, porém o homem associa um novo saber ao contexto que lhes é familiar. Brith Mari (1996, p.31) questiona a validade de um saber da seguinte forma:

O sentido que damos ao mundo que nos rodeia, ou seja, o nosso saber, não se torna um absoluto correspondente a uma realidade que se possa imobilizar, mas sim um saber relativo a uma determinada interpretação, que leva em conta uma dada experiência. Em vez de se basear sobre um critério absoluto, é então à luz da perspectiva escolhida que se deve avaliar a validade de um saber.

O ser humano consegue aprender e assimilar o saber que tem significado para ele. Para Brith Mari (1996, p.32) a construção do saber envolve a criatividade, a afetividade, a cultura e a contextualização. A fragmentação impede esta criatividade e curiosidade dos educandos e educadores. Referente a esta curiosidade Freire afirma: “O fundamental é que o professor e aluno saibam que a postura deles é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivadora, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e aluno se assumam epistemologicamente curiosos” Freire (1997, p. 86).

A escola ainda está voltada para satisfazer os interesses capitalistas que juntamente com a globalização acentuaram as desigualdades sociais, a concentração da renda, e a exclusão social, a escola visa formar um trabalhador consumista produtor de lucros aos detentores do capital. A educação voltada para favorecer o neoliberalismo, foi transformada em um problema administrativo de governo e de engenharia. Observamos um vocabulário e atitudes de empresas serem instalados na educação como, por exemplo, a qualidade total, eficiência, gerenciamento, o investimento de bancos estrangeiros na educação, o que exemplifica a influência capitalista na escola. Refletindo sobre o perfil educacional do século XXI, Rigal (2000, p.186) Afirma que ela deve ser crítico - democrática, uma escola formadora de cidadania com dois objetivos fundamentais: “Contribuir no plano público, para o desenvolvimento de uma cultura do discurso crítico sobre a realidade concreta. Socializar os valores e as práticas da democracia nos âmbitos institucionais cotidianos que facilitem a participação ativa e crítica e as experiências de organização”.

Pensar hoje em educação é antes de tudo pensar no seu papel enquanto formadora de cidadãos, que possam respeitar as diferenças, serem críticos, e participativos na sociedade em que se encontram. O desafio está na ação em busca de soluções para os diversos problemas que enfrentamos hoje. A escola apesar de todas as divergências é um local que agrega condições de iniciar um processo de ruptura com as condições tão desiguais impostas pelo modelo neoliberal, que permeiam os dias de hoje.

A crise da modernidade que se ergue sob o discurso positivista percorre o espaço do cotidiano escolar em todos os sentidos, em todos os interstícios: da sala de aula, passando pelos corredores até a direção da escola. O cotidiano escolar reflete as contradições, os conflitos e a rede de vivências sociais decorrentes do mesmo jogo de poder que permeia a sociedade dos dias atuais.
O cotidiano escolar deve ser percebido e compreendido enquanto uma célula, uma micro-parcela, uma partícula inserida no contexto do grande ambiente global. Quando se fala de ambiente como um todo, significa que se refere ao conjunto de relações, contradições, equilíbrios e desequilíbrios das forças que mantém o grande ecossistema planetário.

Neste sentido, é mister considerar o ambiente global como o palco, o lócus das disputas, conflitos e contradições inerentes da sociedade dividida em classes sociais, com interesses diametralmente opostos. É neste cenário que se configura a ação do homem sobre a natureza, a qual reflete as conseqüências da racionalidade técnica e científica que caracteriza os tempos modernos. São tempos dominados pela “lógica” do racionalismo, oriunda do pensamento positivista. Vive-se numa era em que a coisificação do homem e de todos os seres vivos predomina sobre os valores humanos e as conquistas sociais.

Esta é a configuração do grande ambiente global: a síntese da disputa e dos conflitos entre os desiguais. E, é, exatamente, nesse contexto que se insere o cotidiano ou o ambiente intra-escolar. A escola consagrou-se, através dos tempos, como reprodutora do pensamento e dos interesses da classe detentora do poder político e econômico. Diante dessa constatação, pode-se afirmar, de forma categórica, que o cotidiano ou o ambiente escolar reflete os mesmos aspectos, contradições, jogo de interesses e conflitos do ambiente global. Portanto, o cotidiano escolar não pode ser analisado separadamente do ambiente planetário.
Diante dos aspectos elencados acima, pode-se concluir que o cotidiano escolar é a célula do ambiente, onde ocorrem uma rede de vivências sociais, próprias da subjetividade humana, sentimentos, conflitos, afinidades e divergências, conforme enfatiza Ferraço, (2002):

As redes de ações cotidianas estão encharcadas de solidariedade, ajudas e pactos. Então, é nos processos coletivos que devemos prestar atenção para tirarmos lições. É nesses processos que devemos participar ajudar e intervir. São nas práticas realizadas nos/pelos grupos que as escolas revelam suas energias e utopias. Revelam suas mágoas e alegrias. Práticas de subversão como as “colas” nas provas, as “vaias” durante a fala da diretora, os “assobios” na execução do hino nacional, as “guerras de frutas” durante os recreios, a “divisão e realização de tarefas”, nas surpresas preparadas pelos alunos/alunas para os mestres mais queridos e, ainda, no sentimento de união e poder de organização das educadoras/educadores nas realizações de festas, campanhas e reuniões com a comunidade, entre outros movimentos. (FERRAÇO, 2002, p.131).

A formulação de Ferraço explicita bem a complexa e singular rede de vivências sociais intrínsecas na realidade do cotidiano escolar. Dessa forma, o cotidiano escolar deve ser objeto de especial atenção por parte dos educadores comprometidos com um novo modelo de educação.
Não se pode considerar a escola como revolucionária ou como agente de transformação social, mas ela pode, perfeitamente, servir de suporte para o despertar da consciência a respeito dos problemas sócio-econômicos e ambientais da sociedade contemporânea. Ela pode e deve intervir na realidade cruel do cotidiano das populações carentes. Mas, para isso deve romper as amarras que a mantém presa à racionalidade científica e às verdades e dogmas da escola tradicional.
A crise da modernidade, que permeia o atual processo de desenvolvimento da sociedade capitalista é a grande responsável não somente pela degradação ambiental do planeta, como também pela degradação política, econômica, social e cultural do ser humano. Boaventura de Sousa Santos sintetiza bem esta pontuação:

A promessa da dominação da natureza, e do seu uso para o benefício comum da humanidade, conduziu a uma exploração excessiva e despreocupada dos recursos naturais, à catástrofe ecológica, à ameaça nuclear, à destruição da camada de ozônio, e à emergência da biotecnologia, da engenharia genética e da conseqüente conversão do corpo humano em mercadoria última.(SANTOS, 2001, p.56).

A citação de Santos dispensa qualquer outro comentário sobre a crise civilizacional e abre uma importante reflexão sobre os caminhos a serem tomados pela ciência nos tempos modernos.
O currículo escolar, nada mais é, que a síntese dos interesses dos detentores do poder político e econômico acerca do seu pensamento sobre a produção do conhecimento científico, ou seja, a técnica e a ciência devem estar voltadas para atender as demandas do mercado consumidor capitalista. Diante disso, esse discurso acaba contagiando grande parcela de educadores e educandos, os quais passam também a reproduzir tais discursos.

O Brasil, apesar dos discursos ufanistas de todos os governos, principalmente os das últimas décadas, está muito distante de um modelo de educação que promova a verdadeira cidadania, isto sem considerar que a nação brasileira sempre primou pela imitação de modelos educacionais importados, principalmente, dos EUA e dos países europeus. É necessário a construção de um novo projeto de homem e de um novo projeto de natureza, no sentido da elaboração de propostas que levem à novas práticas educativas, visando transformar educadores e educandos em sujeitos construtores de novos saberes e novos conhecimentos, os quais possibilitem o enfrentamento concreto dos grandes problemas que assolam a humanidade. O homem precisa intervir na realidade atual dos tempos modernos, para modificar o destino futuro dos tempos incertos.

Referências:

ALVES, N; GARCIA, R. L. (ORGS) O Sentido da Escola, 2 ed. Rio de Janeiro: IERJ, 2000.

BARTH, BRITH-MARI. O Saber em Construção: Para uma pedagogia da compreensão. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.

FERRAÇO, C. E. Redes entre saberes, espaços e tempos. In ROSA, D.E.G.; SOUSA, V.C. Políticas organizativas e curriculares, educação inclunsiva e formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A; Goiânia: Alternativa, 2002. p.113-138.

FREIRE, P. PEDAGODIA DA AUTONOMIA: Saberes necessários à prática educativa. 5 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.

________.“Pedagogia do Oprimido”, 9 ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1981

HORKHEIMER, M; ADORNO, T, W. (ORGS), Temas Básicos da Sociologia, 2 ed. Trad. Álvaro Cabral, São Paulo: Cultrix, 1986.

RIGAL, L. A escola crítico-democrática: uma matéria pendente no limiar do século XXI. In: IMBERNÓN, Francisco (org.). A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. Porto Alegre: ARTMED, 2000. p.171-194.

SANTOS, B de S. A CRÍTICA DA RAZÃO INDOLENTE: Contra o desperdício da experiência. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

Este texto foi apresentado com o intuito de fornecer elementos que possibilitem ampliar os horizontes de análise do "Discurso do Método", uma vez que os princípios cartesianos refletem sobre o currículo escolar, ocasionando o engavetamento e fragmenação dos conteúdos curriculares.

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