terça-feira, 10 de março de 2009

A NEUROCIÊNCIA: O descortinar de um novo olhar para a pedagogia


Adriana de Carvalho Pessato Pena«
E-mail: dripessato@hotmail.com

Introdução

O mundo ao longo dos tempos sofreu várias transformações em todos os campos: político, econômico ético, estéticos, e do conhecimento. As mudanças ocorridas no conhecimento, na forma de pensar, no surgimento da razão científica alteraram profundamente a vida das pessoas e sociedades.
Nos séculos passados o homem vivia de acordo com suas prerrogativas corporais, com o início do mercantilismo, o aparecimento da moeda houve uma troca do qualitativo para o quantitativo, a substituição do conhecimento sensível vinculado ao corpo pela atitude quantificadora própria do raciocínio abstrato.
Alguns fatores influenciaram de forma significativa a visão de mundo, tais como a invenção da impressa, o desenho em perspectiva, que possibilitou ao homem transformar e visualizar o espaço em que o corpo vivia e movimentava-se em uma abstração matematizada e geometrizada sobre uma superfície plana. As grandes navegações levaram a ampliação do universo humano. Antes o universo para ele estava pronto e acabado, após as navegações criou-se a noção de que o mundo estava inacabado, devendo ao homem a incumbência de construí-lo.
Esses acontecimentos marcaram e foram incentivos para a era industrial, que junto com o capitalismo, a visão positivista e cartesiana modificou, completamente, a estrutura das cidades, e as relações humanas. Há uma crescente exploração da natureza, e do homem, que se coisificaram ante a mais valia.
Nos dizeres de Duarte júnior:

[...].Com a Revolução industrial vão se operando alterações em todos os setores da vida humana, desde os hábitos e costumes diários até a configuração espacial das cidades, desde as relações parentais até o comércio internacional.A Revolução Industrial significou, basicamente um processo de reeducação do corpo humano.( Duarte Júnior, p.23 1997)

Se analisarmos um artesão, percebe-se que ele tinha os horários estabelecidos pelo seu corpo biológico. Comia, dormia, acordava de acordo com esse relógio, entretanto após a era industrial as suas ações passaram a ser fixadas e estabelecidas por uma racionalidade exterior e alheia a suas necessidades corporais. DUARTE JÙNIOR (1997, p.24) continua: “Passa, então a existir uma razão produtiva, ou uma razão instrumental, que considera o mundo não mais a partir do ser humano, e sim do ponto de vista da produção e do lucro, em escala cada vez maior”.
A crença de que a industrialização, as tecnologias possibilitariam ao homem um futuro em que não precisassem gastar energia e tempo para as tarefas mais brutas, ficando livre para outras atividades não aconteceram. A tecnologia, a fé cega na racionalidade técnica, nunca foram tão questionadas como nos dias atuais.
Os grandes avanços tecnológicos nos permitem, em frações de segundos, comunicar com todo o planeta. O espaço sideral não mais é mistério que amedronta e assusta. O código genético já está sendo desvendado, entretanto à medida que a ciência avança, mais questões de ordem éticas são colocados à prova, nunca os homens sentiram-se tão só e perdidos, como nesse início de século. Os paradigmas que o sustentavam não o sustentam, os valores antes tão certos já se tornaram incertos, vivencia-se uma crise sem precedentes.

A crise da modernidade assume primordialmente, um caráter de descrença, de insegurança quanto ao rumo a se tomar, pois este depende de um projeto, de um objetivo onde se quer chegar. Queríamos o desenvolvimento tecnológico e nele acreditávamos como elemento emancipador, mas agora já hesitamos em relação ao acerto de nossa escolha. Buscávamos a racionalidade como meio de uma vida equilibrada, porém a razão extremada que conseguimos revelou-se inumana despertou inesperados irracionalismos. (Duarte júnior, p. 36 a.1997)

Hoje o homem corre para um futuro desconhecido, a ânsia de se chegar a algum lugar, mas não se sabe onde. As cidades em que ostentavam o coreto, a praça principal, que o homem conversava ao final da tarde, que as crianças brincavam livres, se encontram em extinção.
O homem atual não tem tempo para nada, nem para si mesmo, nem para os familiares e amigos. A própria alimentação, ato essencial à vida tornou-se um ato mecânico, sem sabor e qualidade, somos cada vez mais a geração dos fast food, dos congelados, enlatados, deteriorando as qualidades alimentares com corantes e todos acidulantes que não são mais que venenos em pequenas doses.
A mídia, a televisão, computadores exercem um fator hipnótico e manipulador na vida humana, há uma crescente associação da imagem padrão, veiculado pela mídia como sendo a única beleza possível que leva as jovens cada vez mais a problemas de saúde como a anorexia. O corpo, hoje trabalhado pela mídia, tornou-se igualmente um produto industrial a ser consumido. Os consultórios psiquiátricos encontram-se cheios, por depressões, e estresses conforme enfatiza Duarte Júnior:

O homem tornou-se descartável, tão qual a sociedade consumista da atualidade. A identidade das coisas no mundo moderno dá-se primeiramente através de sua função. E mesmo a identidade das pessoas: nós somos aquilo que fazemos, em termos profissionais. O que nos torna a todos, coisas e pessoas, descartáveis e substituíveis com base exclusiva no desempenho de uma função. (Duarte Júnior, p. 49)

Nesse contexto descrito acima se encontra uma mudança profunda na sociedade atual, com isso há necessidade de um novo olhar do educador, uma nova lógica para a escola, pois as questões atuais são totalmente diferenciadas.

Conceitos que estão sendo contestados pela neurociência
O pensamento cartesiano encontrou parâmetro na concepção de que o cérebro funciona de forma isolada. O processo cognitivo (razão) de um lado e o processo emocional de outro. Acreditava-se que o cérebro exercia atividades emocionais somente no córtex pré-frontal e no sistema límbico.
Estudos recentes da neurociência vêm desmistificando essa afirmativa, hoje se sabe que o cérebro trabalha de forma conjunta com todas as suas partes. O sistema límbico recebe todas as informações cerebrais, antes mesmo do cérebro coordenar uma resposta a determinado estímulo, é responsável pelas questões emocionais do organismo. Referente a isso Damásio afirma que:

[...] os córtices pré-frontais recebem sinais de vários setores biorreguladores do cérebro humano. Incluem-se aqui os núcleos neurotransmissores situados no tronco cerebral (por exemplo, àqueles que distribuem dopamina, noropinefrina, e serotonina) e no prosencéfalo basal (aqueles que distribuem acetilcolina), Poder-se-ia dizer a esse respeito que os córtices pré-frontais recebem mensagens de todo o pessoal do serviço de padrões e medidas. As preferências inatas do organismo relacionadas com a sua sobrevivência o sistema de valores biológicos, por assim dizer – são transmitidos aos córtices pré-frontais por meio desses sinais, fazendo desse modo parte integrante do mecanismo de raciocínio e tomada de decisões. (DAMÁSIO, 2005 p-. 213)

Logo, conclui-se que as partes relacionadas à cognição e emoção trabalham conjuntas no cérebro, sendo assim não se pode dissociar razão de sentimento. Dessa forma é premente a inovação na forma de se ensinar, pois o processo da aprendizagem com os estudos da neurociência vem descortinado um novo mundo.
Para o Prof. FREDERIC MICHAEL:

O modelo educacional que prevalece entre nós já está defasado em relação àquilo que a ciência já sabe sobre como a mente humana funciona, especialmente com relação aos processos de aprendizagem, e às tecnologias já disponíveis no mercado e nem de longe aproveitadas na educação formal. (MICHAEL, 2002, p.11)
A neurociência e a pedagogia
A neurociência 1e está abrindo um leque para transformações na pedagogia, compreender como o sistema nervoso funciona acarreta vários entendimentos, interpretar quais processos químicos ocorrem como se formam as sinapses estão revelando um mundo totalmente novo. Já se sabe através de estudos que os estímulos favorecem as ramificações neurais no córtex cerebral, favorecendo, portanto o desenvolvimento cerebral. Desvendar como dá o processo de aprender abre alguns caminhos para novos pensamentos de como ensinar.
A Professora de Historia da Escrita, Elvira Souza, ao se deparar com professores da Amazônia que reclamavam da falta de memória dos estudantes para conceitos simples tal como as cores, perguntou a um índio que cor era a árvore e ele respondeu “depende”. Depende do tipo de árvore, da hora do dia. Elvira Souza afirma que:

Parece banal, mas é fundamental que o professor compreenda como o cérebro da criança funciona para ajuda-la a aprender.Caso contrário o professor vai teimar que a árvore é verde e o aluno apenas vai decorar a resposta, sem que isso faça sentido para ele.(Souza apud Leal, 2006 p.49)

O ser humano consegue aprender e assimilar o saber que tem significado para ele. Para Barth (1996) a construção do saber envolve a criatividade, a afetividade, a cultura e a contextualização. Nesse contexto, torna-se importantíssimo que o professor saiba que o cérebro humano se organiza em torno da formação de significados. Souza afirma que:

Um campo de significados é uma rede de informação e experiências relacionadas entre si que constituem sentidos para o indivíduo e possibilita a formação de outros significados. A aprendizagem de conhecimento formal ocorre se houver, no procedimento pedagógico, previsão de trazer o novo relacionado a um conhecimento prévio do indivíduo, o que facilita a construção de um novo significado. (SOUZA apud LEAL, 2006, p. 49)

O geneticista Zan Mustacchi diretor clínico do centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo (CEPEC) ao pesquisar pacientes com Síndrome de Down percebeu que as crianças conseguiam aprender melhor quando estava ligado o aprendizado a sensações agradáveis. Isso porque segundo ele:

Mecanismo de recepção e percepção localizados no hipocampo e hipotálamo (responsáveis pelo armazenamento e pela codificação de memória, respectivamente) são estimulados a reter informações com a liberação de substâncias que geram a sensações agradáveis, como a dopamina e serotonina. A presença desses neurotransmissores faz com que se busque repetir a sensação prazerosa. (MUSTACCHI apud LEAL, 2006, p 49).

O ser humano consegue aprender sempre, entretanto a fase infantil é a mais propícia ao aprendizado, pois nessa fase mais conexões de sinapses são estabelecidas, portanto as bases do saber são lançadas em grande parte na infância. O cérebro infantil é preparado para buscar novas informações, os estímulos visuais, auditivos sensoriais são importantíssimos no desenvolvimento cerebral. Para Gerhard:

Quando educação e formação dão às crianças os estímulos intelectuais de que o cérebro precisa, as capacidades mentais podem se desenvolver – e aprender se torna fácil. Em especial no jardim-de-infância, e até a 4ª série do ensino fundamental, os pedagogos com freqüência evitam educar o pensamento das crianças de forma direcionada - provavelmente porque não desejam sobrecarrega-las. Mas é precisamente entre os 3 e os 10 anos, que o cérebro está sempre à procura de novo alimento, o que de resto, o mundo lhe oferece em abundância: a cada segundo, uma profusão incomensurável de impressões abre caminho pela via dos sentidos. (GEHARD e GEHARD 2006, p.53)

A ausência de conceitos biológicos nos cursos de pedagogia dificulta os diversos entendimentos da neurociência.
A neurociência surge, então, como uma nova forma de compreender o processo ensino – aprendizagem, entretanto esbarra-se na formação do professor, em especial o pedagogo, que é o professor responsável pelas séries iniciais do ensino fundamental. A ausência de conceitos biológicos básicos em sua formação dificulta o entendimento do desenvolvimento cognitivo e acarreta algumas conseqüências equivocadas sobre o processo ensino-aprendizagem.
Nesse sentido RICTHER (2006) em sua dissertação de mestrado consta:

A compreensão aprofundada do desenvolvimento da criança e da aprendizagem, muitas vezes, é dificultada entre nós, profissionais da educação, pela própria limitação do entendimento da relação entre nossa estrutura orgânica e o meio social-cultural. Essa deficiência acarreta compressões errôneas de estudos clássicos referentes ao desenvolvimento humano, já que, não raro, ficamos presos a entendimentos superficiais, presos a chavões, expressões nem sempre realmente compreendidos (RICTHER, 2006, p 58)

Um grupo de pesquisadores em Educação da PUC-SP coordenada pela Dra.Renata Di Francesco e pela pedagoga Kátia Kuhn Chedid, analisou a influência da respiração oral sobre dificuldades com disciplina e aprendizado. A pesquisa comprovou que a maior parte de crianças com respiração oral estão entre as que participam do reforço escolar e constantemente possuem problemas de disciplina.
Para CHEDID (2006):
Crianças com problemas respiratórios dormem mal à noite e, durante o dia, freqüentemente apresentam problemas de atenção e aprendizagem. Muitas vezes, esse aluno é rotulado como incapaz ou preguiçoso, quando na verdade tem um problema que pode e deve ser tratado. (CHEDID apud Leal, 2006 p.44)
Não se cogita exigir do professor compreender e estudar a neurociência, entretanto, o entendimento da fisiologia corporal básica dos diversos sistemas biológicos, pode favorecê-lo na compreensão das várias filosofias que embasam a educação, em especial as teorias de desenvolvimento humano, ligadas à infância, fase primordial para o desenvolvimento cerebral, pois nelas estão as bases para o aprendizado. Ressalta-se, ainda, o quanto a fundamentação das questões biológicas pode auxiliar o professor a ter clareza da concepção de homem, que em geral é estudada em termos políticos, econômicos e sociais, ignorando diversas vezes que o ser humano é um ser bio-psíquico-social.
Na literatura pedagógica, a referência à concepção de homem é fundamentalmente abordada numa visão filosófica, social e/ou psicológica.Adicionamos a essas abordagens uma visão energética, com a convicção de que, se o professor possui uma compreensão da dimensão biológica do indivíduo, são possíveis mudanças significativas na forma de trabalhar com seus alunos(Mota 2005, p.87)
O curso de pedagogia é por excelência responsável pelos primeiros anos de escolaridade, onde o processo do ensinar e do aprender necessita ser bem compreendido. A ausência de conceitos biológicos fundamentais para compreender os mecanismos fisiológicos corporais em especial o mental, a importância das conexões neurais e como se realizam dificulta a percepção do processo ensino-aprendizagem. A maioria das conexões sinápticas forma-se, principalmente nos primeiros anos de vida, inclusive as ligações para a cognição, por isso, é essencial a etapa inicial da escolaridade. Devido à importância da fase inicial do aprendizado humano o curso de pedagogia é de grande relevância e precisa ser mais pesquisado.
Ausência de conceitos biológicos básicos no curso de pedagogia pressupõe que o aluno tenha conhecimento prévio do funcionamento cerebral, ficando vago e solto essas noções sem o devido embasamento teórico que somente a ciência biológica poderia oferecer.
A neurociência e a educação formal
A escola, nos dias atuais, ainda está marcada, fortemente, pelo positivismo. O mecanicismo cartesiano favorece e trabalha para os interesses capitalistas. Há uma forte disciplinarização através de normas rígidas de controle. Disciplinarização essa que é uma forma de domínio e poder sobre os alunos. O ambiente escolar é totalmente diferenciado da realidade dos alunos, onde o tempo é determinado de acordo com as exigências exteriores às prerrogativas dos discentes. De acordo com Tardif o tempo escolar é condicionado por exigências social, financeira, sindical, religiosa, e não acompanha o tempo de aprendizagem do aluno.

[...] é evidente que o tempo escolar não acompanha diretamente o tempo da aprendizagem dos alunos. Um dos maiores problemas da escola é ajustar esses dois tempos, O aprendizado requer um tempo variável segundo os indivíduos e os grupos, ao passo que o tempo escolar segue invariavelmente ritmos de aprendizagem coletivos e institucionais. (TARDIF, 2005 p 76)

Quando há um aprendizado novo, novas conexões cerebrais têm que ser efetuadas, e muitas horas se passam até que as conexões entre as células possam se estabilizar. Não se conseguiu ainda precisar o tempo que o cérebro gasta para isso, mas é certo que não adianta ficar repetindo matéria nova na cabeça dos alunos, quando o cérebro está ativamente trabalhando para estabelecer as conexões. Dessa forma entre um aprendizado e outro seria mais proveitoso deixar o cérebro executar seu trabalho tranqüilamente.

[...] partindo do princípio de que pouco proveito traz martelar matéria nova na cabeça do aluno no exato momento em que seu cérebro se empenha por consolidar o que acabou de aprender. Se assim procedermos, os conteúdos irão se sobrepor, o que perturbará sua fixação neuronal. O aprendizado a intervalos é, portanto, muito mais sensato, um fato ao qual a didática deveria dedicar atenção redobrada. Durante uma breve pausa ou uma brincadeira relaxada, o cérebro infantil poderá armazenar a matéria ensinada sem ser perturbado. (GERHARD, e GEHARD 2006 p 56)

Quanto mais se empregar os recursos dos sentidos na aprendizagem, melhor ela será. Entretanto, o que percebe nas escolas é uma total negligencia sob esse aspecto, o sentido que mais se trabalha é o áudio visual.

[...] quanto mais recursos forem empregados na transmissão de uma informação, tanto melhor ela se fixará na memória de longa duração. É mais fácil aprender com a colaboração do maior número possível de órgãos dos sentidos. Como todos os neurônios se comunicam via sinais elétricos, tanto faz ativa-los mediante a visão, o tato, a audição, o movimento ou a mera reflexão. (GERHARD; GEHARD 2006 p 56)

Na escola atual há um controle sobre o que se aprende, a hora que se deve aprender e de que maneira se aprende, ignorando os dons, aptidões, talentos, culturas trazidas pelos alunos. Os programas de ensino estão prontos e acabados atendendo há uma exigência totalmente exterior ao aluno. Privilegia-se o estudo individual, incitando a competitividade, embora já se saiba que no ser humano as precondições cognitivas são genéticas, porém, desenvolve-se na interação com o mundo ao redor, o mundo que faz sentido e que possui significado para ele. A escola deveria propiciar o desenvolvimento dessas aptidões natas das crianças, interagindo com o currículo.
Toda criança possui um pacote próprio de possibilidades de desenvolvimento, tem seus talentos específicos, mas também suas fraquezas individuais. Ao que tudo indica, o sistema de busca de informações chamado cérebro sabe quais os pontos fortes do seu dono e procura explora-los e expandi-los com perguntas direcionadas. A típica ânsia de saber das crianças, que por vezes nos parece infinita, não é, pois arbitrária e despropositada, e sim balizada por talentos pessoais. À criança interessará mais aquilo que ela sabe melhor, e é também sobre isso que ela fará insistente perguntas. (GERHARD, e GEHARD 2006 p 57)
A escola ignora o corpo e a subjetividade dos alunos, tratando-os como se fossem “cabeças ambulantes”. Segundo Tardif “A cultura escolar tende a garantir o controle corporal dos alunos, para melhor sujeitar essa dimensão em benefício da valorização das funções verbo-intelectuais.” (TARDIF 2005 P.64).
A crença de que para aprender o corpo necessita de estar quieto e parado ainda é muito aceita nos meio escolares Para Foucault apud Tardif (2005, p.64) “a ordem na classe repousa sobre uma dicotomia entre o espírito e o corpo dos alunos” Estudos recentes comprovaram que um terço do cérebro humano é responsável pelo movimento corporal.
Nas crianças o movimento corporal expressa seus sentimentos e emoções, isso com o tempo irá se perdendo, pois o adulto é treinado para camuflar seus sentimentos e expressões corporais. Entretanto, o movimento, e a expressão falam do próprio indivíduo, sua história de vida, seus anseios, suas emoções, o movimento dessa forma é vida. Um dos papeis da escola atual é fazer com que a criança, desde que chegue a ela, aprenda a controlar seus movimentos, treinando-a a ficar quieta e calada.

Na criança pequena, a expressão corporal é viva, ou seja, manifesta suas reais sensações, sentimentos e emoções, mas, ao conviver com seu grupo social, ela vai interagir com normas e valores que “justificam” que ela deve se comportar dessa ou daquela maneira, ou seja, será fortemente “adaptada” àqueles padrões sócio-culturais. Em nossa sociedade, é comum termos que bloquear o que estamos sentindo e apresentar comportamentos mascarados, os quais são socialmente aceitos, mas um olhar atento nos conduz a entender o que realmente o corpo nos fala. (RICHTER 2006 P. 52)

O ser humano consegue aprender e se situar no mundo na interação com o outro; a subjetividade humana se forma à medida que interage com o meio social em que vive. A linguagem oral só pode ser construída a partir da comunicação. As conexões neurais vão se formando de acordo com o tempo, nenhum ser humano nasce com as conexões prontas e acabadas, elas vão se instalando à medida que forem sendo necessárias a se adaptarem ao meio, a comunicarem, a interagirem no ambiente em que vivem. Uma escola que se opõe à interação com o outro, a expressão corporal, o movimento, dificulta as conexões cerebrais a se formarem, refletindo-se na cognição.

Considerações Finais
A escola reflete a sociedade em que ela está inserida, a sociedade atual está em crise. Crise de paradigma, crise de valores, e conseqüentemente isso afeta a escola. A escola atual não consegue traduzir e adequar as mudanças ocorridas na sociedade. Há uma mudança profunda da sociedade, havendo necessidade de um novo olhar da escola, do educador. A neurociência está abrindo uma forma diferenciada de ver e interpretar o cérebro e com isso a maneira de compreender a aprendizagem. Entretanto, para isso há que se reverem as formações dos professores, que ainda estão muito embasadas em conceitos e concepções ultrapassadas.
Os novos estudos da neurociência podem e devem ser encarados como um conhecimento capaz de oferecer nortes que ajudariam os professores a entender melhor o processo ensino-aprendizagem. Contudo, não deve ser visto como uma fórmula mágica para resolver todos os problemas cognitivos que surgem, posto que o ser humano não é somente biológico e sim uma interação com o meio social, com o seu psíquico, enfim um ser político, social, biológico, não podemos valorizar somente um aspecto humano, para procurar desenvolver suas faculdades dons e talentos.

Referências

BARTH, BRITH-MARI. O Saber em Construção: Para uma pedagogia da compreensão. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.

CHARLOT, B. A Mistificação Pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na teoria da educação. Trad. Ruth Rissin Josef. Rio de Janeiro: ZAHAR EDITORES, 1979.

DAMÁSIO, A. R. O erro de Descarte: emoção, razão e o cérebro humano, Trad. Dora Vicente e Georgina Segurado. São Paulo: Companhia das letras, 1996.

Documentos oficiais do curso de pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia, disponível em <
www.ufu.br >, acesso em 12 de setembro de 2006.

DUARTE JÚNIOR, J. F. Itinerário de uma crise: a modernidade – Curitiba: Ed. UFPR, 1997
GEHARD, F. GEHARD, P. Educar com a cabeça. In: Viver mente & cérebro ano XVI n° 157 fevereiro de 2006, p.51-57.

LEAL, G. Aprender a ensinar. In Viver mente & cérebro ano XVI n° 157 fevereiro de 2006.
LUDKE, M. ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

MICHAEL, L. F. Previsões para o futuro da aprendizagem, disponível em <>www.uol.com.br/aprendiz > acesso em 18/08/06.

MOTA M.V.S. A corporeidade na formação do professor e suas influências no desenvolvimento da criança: uma leitura Reichiana. In: FONSECA, S. G. BARAÚNA, S. M. MIRANDA, A. B. (orgs.). O uno e o diverso na educação escolar. Uberlândia EDUFU: FAPEMIG, 2005.

RICHTER, L. M. Movimento Corporal da criança na educação infantil: expressão comunicação e interação. Dissertação de mestrado Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia 2006.

TARDIF, MAURICE O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como profissão de interações humanas. Tradução de João Batista Kreuch. Petrópolis RJ Vozes 2005

« Mestranda em Educação pela Universidade de Uberlândia (UFU), Licenciada em Ciências biológicas pela Universidade de Uberaba (UNIUBE), Professora de Ciências da Escola Municipal Profª. Olga de Oliveira, Uberaba (MG).

1 A neurociência é o estudo da realização física do processo no sistema nervoso animal e humano. Engloba três áreas principais: a neurofisiologia, a neuroanatomia e a neuropsicologia. A neurociência aplicada à educação pode ser compreendida como o estudo da estrutura, do desenvolvimento, da evolução e do funcionamento do sistema nervoso sob enfoque plural: biológico, neurológico, psicológico, matemático, físico, filosófico e computacional, voltado para a aquisição de informações, resolução de problemas e mudança de comportamento.


Texto originalmente publicado na revista científica Geografia & Educação da Associação dos Geógrafos do Brasil, seção local de Uberaba/MG, Ano I, n. 1, Julho de 2007, p. 60-67.

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